PSICANÁLISE | A importância da entrevista na psicoterapia psicanalítica

em parceria com Simone Arbaitman e Marco Pizzico

Sigmund Freud, em seus escritos acerca da técnica psicanalítica, ressaltou a importância daquilo que chamava de “ensaio”. O “ensaio” implicava em sessões que realizava com um possível analisando e que seriam como uma “análise prévia”, com foco em aspectos que definissem a possibilidade de aceitar, ou não, um paciente para o tratamento. Assim, em sendo o caso, somente após o “ensaio” tinha-se efetivamente o início do tratamento psicanalítico.

No artigo “Sobre o início do tratamento”, de 1913, Freud escreve que adquiriu o hábito de aceitar um paciente provisoriamente, por um período de uma ou duas semanas, e aponta duas razões significativas para isso:

— permitir ao analista conhecer o caso e avaliar se seria apropriado, ou não, o referido tratamento; e

— possibilitar o estabelecimento do diagnóstico diferencial, em especial entre neurose e psicose, algo nem sempre fácil de ser feito e essencial para o direcionamento do tratamento.

Ao recomendar e justificar o uso do “ensaio” pelos praticantes da psicanálise, aproveita também para apontar a responsabilidade do analista, quanto ao ato de permitir ou impedir que alguém se beneficie de um tratamento psicanalítico.

Jacques Lacan não deixou que a recomendação de Sigmund Freud se perdesse. Assim, resgatou o valor do “ensaio” – “experimento preliminar”, em um primeiro momento – e denominou-o de “entrevistas preliminares”. Nesse sentido, vale destacar a etimologia da palavra preliminar, do latim praeliminaris, prae – antes e liminares – relativo ao limite; ou seja, antes do limiar.

A análise, segundo Freud, não começa assim que o paciente chega ao consultório (ou atualmente, no primeiro encontro online). Ele observa que temos que criar paulatinamente condições para que um trabalho analítico possa começar.

Num primeiro momento, o paciente é convidado a falar – aqui, destacamos que, para Freud, “aquele que fala sempre fala mais do que está falando”, e irá denominar esta expressão de “associação livre”. Além disso, o paciente apresenta seu mal-estar para o analista, o sintoma e, apresenta, também, sua demanda.

Destaca-se como parte das entrevistas preliminares quatro  elementos: (i) Associação livre (regra fundamental), (ii) Sintoma, (iii) Demanda, (iv) Enlaçamento/transferência.

E, dessa interação pelo analista, será definido e observado o seu lugar.

Freud compara a análise ao jogo de xadrez, no qual existem movimentos, jogadas que viabilizem o jogo. As entrevistas preliminares seriam as primeiras jogadas, os primeiros movimentos, sendo que muito do que acontece depois advém dessas movimentações iniciais.

A entrevista é, talvez, um dos mais importantes documentos do processo clínico. Acontece num “entre” o processo de contato do paciente com o psicoterapeuta – normalmente através de um telefonema ou de um contato previamente agendado – e o contrato, onde serão definidas as regras do trabalho que será desenvolvido – periodicidade, horário etc. Os objetivos de uma entrevista e da psicoterapia, propriamente dita, são absolutamente diversos. E é na entrevista que se orienta e se estabelece o trabalho da psicoterapia.

Por isso, tudo importa nesse momento. É de obrigação do analista produzir o ambiente mais acolhedor possível. Porque é desse momento que nasce a relação de ambos, onde a proposta de tratamento irá ser definida e, ainda segundo Freud, quando o analisando deverá assumir uma condição de trabalho.

Etchegoyen, citando Bleger, em “Fundamentos da técnica psicanalítica”, de 1987, irá trazer a ideia da anamnese, o ponto inicial no diagnóstico de uma doença, que poderá ser um norteador da entrevista, onde o analista poderá obter informações dos processos conscientes do paciente para identificar o princípio e a evolução de suas sintomatologias.

Na psicoterapia psicanalítica, porém, o tratamento visa não apenas tratar o sintoma, mas encontrar a causa do problema, que poderá ser aplicada na cura de quadros graves e moderados.


A importância da entrevista

 A entrevista é o momento inaugural de uma relação analista-paciente. Mais do que essencial, é importante que se entenda como uma expressão que dará, a partir dela, uma relação de absoluta confiança, sistematicamente pensada e elaborada a todo instante, como construção do processo inconsciente, tendo em vista que ambos não possuem qualquer experiência real um do outro.

Da mesma maneira que o paciente passa por um encontro desprotegido, o analista também vive a mesma experiência e está igualmente desprotegido. Tudo nessa cena inicial é importante. Do primeiro contato do analista, (os “processos preliminares”), ao primeiro encontro, tudo deverá ser medido e estudado, incluindo a primeira sentença, até a “totalidade de interação”, em que todas as ações verbais, ou não; toda expressão corporal e todas as comunicações diretas, ou não; e todos o processos psíquicos pré-conscientes e inconscientes concomitantes do analista e do paciente terão importância vital dentro do tratamento, ou não; no caso do contrato não ser firmado.

Em geral, na primeira entrevista, os pacientes anseiam por respostas que desvendem seus mundos internos e lhes norteiem algum caminho para a cura de suas queixas. É importante levarmos em conta que, mesmo antes deste primeiro encontro, o analista está associado a todas as esperanças desse paciente que sente dores e necessita de uma cura.

A entrevista é um momento inaugural e tem o objetivo de conseguir descrições intersubjetivas do processo que conduzam a avaliações terapêuticas relevantes e de avaliar a necessidade, ou não, de uma psicoterapia e, principalmente, se o psicoterapeuta tem condições, ou não, de levar avante um trabalho de psicoterapia.

É a etapa, também, onde o analista tem a possibilidade de classificar seu paciente – neuróticos e psicóticos, por exemplo – e estabelecer a melhor maneira de tratamento.

A entrevista pode durar mais de uma sessão, dependendo da complexidade do paciente.


Etchegoyen/Ryad Simon

 No capítulo 4 de sua obra “Psicologia Clínica Preventiva”, de 1989, o psicólogo e psicanalista brasileiro Ryad Simon inicia a divisão intitulada “A entrevista em prevenção”, nos alertando que “a entrevista com finalidades preventivas difere sob aspectos essenciais da entrevista comum”. Já estará colocada aí a diferença entre a entrevista trabalhada pelo médico psiquiatra e psicanalista argentino R. Horacio Etchegoyen, que construiu uma importante sistematização do trabalho da técnica psicanalítica.

Etchegoyen irá estruturar, em sua obra “Fundamentos da Técnica Psicanalítica”, toda uma poética para sistematizar o processo psicanalítico através de fundamentos que determinam as técnicas utilizadas no processo terapêutico, utilizando-se da psicanálise. Esta obra, um robusto volume com cerca de 500 páginas, será considerada pelo meio psicanalítico o grande documento que determinará o modo de trabalho dos psicanalistas, a partir do final do século passado.

O professor Ryad Simon, que possui uma vasta e importante obra no campo da clínica e teoria psicanalítica, com livros e artigos publicados em importantes editoras e revistas científicas, tendo atuado, principalmente, com os temas da Escala Diagnóstica Operacionalizada, entrevistas psicológicas e Fundamentos e Medidas da Psicologia, no entanto, desenvolveu um importante sistema diagnóstico operacionalizado, a partir de seu trabalho no Setor de Saúde Mental do Serviço de Saúde dos Alunos do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina.

Essa escala diagnóstica permite, com alguma prontidão e eficiência, estruturar um levantamento de pacientes e detectar resoluções para um atendimento eficaz, a partir das classificações de cada indivíduo. Dentro do trabalho sistematizado pelo professor Ryad, porém, a entrevista é um dos principais motores para o sucesso desse processo. O trabalho, na verdade, se inicia antes dessas entrevistas com a definição de critérios adaptativos, a partir de mapeamentos populacionais em comunidades, e é a fase da entrevista que determinará, com alguma eficiência, o curso do trabalho.

No livro “Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original”, de 2010, é que Ryad Simon vai evidenciar a diferenciação entre psicanálise e psicoterapia psicanalítica. Irá propor que “psicanálise seja considerada a busca desinteressada da verdade sobre o sujeito, enquanto psicoterapia psicanalítica seria tratamento, a busca deliberada da ‘cura’”.

Desta maneira, a psicanálise seria destinada a pacientes que não possuem queixas, enquanto que a psicoterapia psicanalítica seria aplicada às pessoas que procuram um tratamento para a cura de quadros sintomáticos, onde o psicoterapeuta psicanalítico irá trabalhar com o desejo de cura, através da memória da história do paciente, a memória das sessões anteriores e a memória das teorias psicanalíticas.

Deste modo, a entrevista com finalidades na psicoterapia psicanalítica irá diferenciar-se, sobremaneira, da entrevista clínica comum. Para tanto, o professor Ryad irá apresentar duas modalidades de psicoterapia psicanalítica: a “psicoterapia psicanalítica para quadros moderados” e a “psicoterapia psicanalítica para quadros graves”, que definirão o número de sessões semanais. Assim, o psicoterapeuta psicanalítico precisará se atentar às queixas e aos sintomas do paciente para identificar o tipo de tratamento que ele receberá.

Ainda segundo sistematização do professor Ryad Simon, será importante que se defina neste momento da entrevista um procedimento que dividirá esta etapa em duas correntes: a interpretativa e a suportiva, que trabalha com medidas de clarificação e reasseguramento, necessárias para trabalhar a ansiedade persecutória, que pode surgir na resistência do paciente.

Sabemos que o objetivo da entrevista é o de se verificar a adequação do paciente para um tratamento psicanalítico, ou não. No entanto, Etchegoyen nos diz que esse momento pode avançar um pouco; que, muitas vezes, utiliza a interpretação como uma maneira para medir a capacidade do entrevistado de se adequar ao trabalho de insights, uma vez que a psicanálise, como bem nos ensinou Freud, trabalha com a ideia de “sem memória e sem desejo”. Na psicoterapia psicanalítica, no entanto, a memória e o desejo terão papéis fundamentais porque, afinal, nela, a cura será perseguida.

Por fim, importante pensarmos que tanto a psicanálise quanto a psicoterapia psicanalítica são elementos absolutamente vivos e, embora se diferenciem em alguns aspectos, complementam-se totalmente em outros. Em tempos pandêmicos, como estes que estamos vivendo e para citar um único exemplo, vimos o modus operandi da clínica passar por transformações jamais imaginadas em outros tempos. O atendimento em modo digital trouxe, além de novas e impressionantes possibilidades, toda uma redefinição do setting analítico. Antes, um lugar mágico e absolutamente repleto de significados e significantes, com cheiros e sensações; hoje, um espaço onde a neutralidade é a palavra de ordem. Desta maneira, Etchegoyen e Ryad Simon integram-se na ideia de que ambas as técnicas psicanalíticas deverão, a todo momento, estar em contato com seu tempo e com suas especificidades.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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