O dia das mães

— Aqui é o final da fila?

— Aqui mesmo.

— Nossa, pelo visto vai demorar, né?

— Você está com sorte, começou a andar rápido agora.

— O dia tá corrido hoje. Viajo na segunda.

— Viajar é bom.

— No meu caso, não. Tô fazendo um negócio que tinha prometido pra mim mesma que nunca faria.

— Vai voltar pra casa da sua mãe?

— Nossa, como você adivinhou? É bruxo, você?

— A verdade é que voltar pra casa da minha mãe sempre o foi o meu desespero. Enquanto a minha mãe vivia.

— Morreu a sua mãe, é?

— Infelizmente, sim.

— Nossa, eu nem sei o que aconteceria se eu perdesse a minha.

— É, a gente nunca sabe.

— E a minha mãe, ah, se você pudesse conhecer a minha mãe.

— Digo o mesmo da minha. Se você pudesse ter conhecido a minha.

— Então me conte uma coisa da sua mãe.

— Tenho saudade de sua lasanha. A mais gostosa do mundo. Me conte agora algo da sua.

— Eu era solteira e fiquei grávida. Fiquei desesperada, não sabia o que fazer da minha vida. E fui guardando o maior segredo do mundo, enquanto ia escondendo a minha barriga. Quando, enfim, resolvi falar com a minha mãe, no sexto mês de gravidez, estava morrendo de medo. Lembro como se fosse hoje. Era um domingo, fazia calor. Minha mãe estava sentada na varanda e eu fui ter com ela. Eu suava muito, nossa, como suava. Quando comecei a falar, tentando ser delicada, temerosa que ela tivesse uma reação violenta… De repente, e antes que eu contasse o que tinha pra dizer, ela tirou uma chave que estava guardada entre os seus seios e a entregou a mim. Peguei a chave sem entender nada. Então ela me disse pra ir até a penteadeira, em seu quarto. Perdi a voz. Depois de um tempo, fui caminhando até seu quarto. Aquele trajeto, ali, demorou tanto, mas tanto. Quando cheguei em seu quarto, minhas mãos pareciam que iam saltar do meu corpo, tamanha tremedeira. Fiquei parada em frente a sua penteadeira por um tempo. Quando, enfim, comecei a abrir a gaveta, percebi que minha mãe estava me olhando, escorada na porta de entrada do quarto. A gaveta veio colorida, iluminada. Lá dentro, muitas roupinhas de bebê. Sapatinhos, babador, touquinha.

Eu estava surpreso.

— Nossa, ela sempre soube da sua gravidez, então?

— Sempre. E em silêncio. Nunca mais voltamos a falar sobre isso. E meu filho nasceu, ela foi a avó mais doce do mundo e na semana passada meu menino se formou. É advogado agora.

— Que história linda! E você, se casou depois?

— Não me casei, não. O pai dele nunca assumiu. Vim com meu filho pra São Paulo faz quase 20 anos. E durante todo esse tempo, minha mãe mandou dinheiro pra nós. Dinheiro da sua aposentadoria. Todo mês.

— Que bonita a sua história.

— Agora meu filho não precisa mais de mim e estou voltando. Não queria voltar mas acho que a vida dele é só dele. Vou cuidar da minha mãe.

— Chegou a minha vez, até. Foi um prazer.

— Veja só, você nem me falou da lasanha da sua mãe.

— Não deu tempo, a fila andou rápido.

— Vai com Deus.

— Fica com Deus.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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