Viver não basta

Para fazer esta temporada on-line de Todos os Sonhos do Mundo, tive que compreender algumas coisas. A primeira, a mais complicada, tem sido entender como eu posso caber dentro de uma live, um espaço destinado, em sua totalidade, ao humor ou à diversão. Minha peça trata de um tema bastante complicado: a depressão. Que pode, claro, fazer muito sentido neste tempo de isolamento, mas – e por isso mesmo –, um tema que a gente não quer muito falar e tem evitado, muitas vezes.

Por outro lado, sinto que precisamos deste assunto, é urgente. Fico pensando nas vidas de todos nós que, temos a sensação, deixamos do lado de fora de nossas vidas. É um momento difícil, este. Em que a vida duela com a própria vida tentando entender como serão as coisas a partir daqui.

Outro ponto que teve que ser alterado é a duração da peça. No teatro ela durava exatos 75 minutos. Em tempos de lives, parecia que o formato original não tava rolando direito. Ontem, pela primeira vez, consegui fazer a peça em 55 minutos. Claro que tive que cortar alguns pontos importantes da dramaturgia, mas fazer o quê? Tudo pela compreensão dos novos tempos e formatos.

Mas tem uma coisa que não muda. A minha solidão em cena é a mesma da minha casa, exatamente como a do teatro. Aqui em casa eu tenho me trancado no escritório, com o Chico e a Cacilda aos meus pés. Encontrei uma iluminação e pensei num cenário simples, mas que tem funcionado.

Eu sempre começo a apresentação, pontualmente, às 21h. Para aguardar a chegada do público, ligo a câmera e coloco uma música, por cerca de dois a três minutos. É nesse tempo que o fenômeno do teatro se estabelece. Porque esta solidão, este respiro, esse coração que bate mais forte, tudo isso é igualzinho ao que ocorre no teatro. A dor é a mesma.

Já falei por aqui que esse friozinho na barriga que a maioria dos meus colegas de profissão sente antes de entrar em cena, eu nunca senti. Não há nenhum prazer no meu ato da atuação. O que sinto é dor, muita dor. Nesses minutos que antecedem minhas apresentações, se eu pudesse eu sairia correndo. O fato de enfrentar tudo isso tem a ver com provação, como forma de sentir que a vida deve continuar pulsando dentro de mim, de quem me assiste. É um ato de renascimento. Todas as vezes. E de solidão, de muita solidão sempre.

É isso que o teatro me ensina todos os dias. Que precisamos resistir a tudo e a todos, o tempo inteiro. Porque descobri, há tempos já, que viver não basta. E as emoções, erra quem pensa que são características humanas, tão somente. São da vida, de todos os seres, paisagens e endereços.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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