por José Cetra Filho
Um tesouro de delicadeza e humanidade está em cartaz no Satyros Um. Trata-se de “Todos os Sonhos do Mundo”, solo de Ivam Cabral. Absolutamente imperdível.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Álvaro de Campos)
Esses versos que abrem o poema Tabacaria do heterônimo de Fernando Pessoa servem de fecho ao solo de Ivam Cabral ora em cartaz na cidade. E esse é um final com chave de ouro para espetáculo que durante sua hora de duração mantém o espectador envolvido em uma aura de delicadeza e humanidade.
Como bom contador de histórias, Ivam nos relata sobre sua infância em Ribeirão Claro no interior do Paraná, sobre sua família humilde, seus irmãos “quase” todos com nomes iniciados com “I” e sobre habitantes da cidade que circulavam pela igreja, pela praça, pelo cafezal e pelo cemitério, paisagens essas que se presentificam aos olhos do público tal o poder da palavra do ator. As narrativas sobre a trajetória de um dos seus irmãos, da Jane e da Lila são tocantes e envolventes mantendo os espectadores com lágrimas nos olhos durante toda a apresentação. E tudo isso nos faz refletir sobre o famoso “E se?”. E se Jane não tivesse cometido aquele ato acidental? E se Lila não tivesse vindo para São Paulo naquele verão? E se o filho de Lila não tivesse nascido? Que rumos teria tomado o mundo? Tudo acontece ao acaso? E o destino?…
Vestido com terno xadrez colorido e gravata borboleta e forrando aos poucos o chão do palco com pétalas de rosa, Ivam vai desfilando suas histórias permeando-as com poemas de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Clarice Lispector, Cecília Meirelles e o já citado Fernando Pessoa. Como se pode notar, suas histórias estão em ótima companhia. O roteiro do espetáculo é dele e de Rodolfo García Vázquez e este assina também a discreta direção do espetáculo.
A maioria das narrativas tem um toque de tristeza perante a violência do mundo, os preconceitos, as doenças e a finitude da vida, mas viver na plenitude o tempo nos é oferecido por aqui é a mensagem que esse trabalho tão delicado nos passa. E o público sai do teatro com uma lágrima nos olhos, um aperto no coração e uma vontade enorme de abraçar a humanidade.
Ivam comentou ao final do espetáculo que estava receoso de trazê-lo para São Paulo. Caso isso ocorresse ele estaria nos privando de um dos mais belos e comoventes trabalhos a que a cidade assiste neste conturbado 2019.
SERVIÇO:
TODOS OS SONHOS DO MUNDO em cartaz no Satyros Um até 15/12. De quarta a sábado às 21h e domingos às19h. IMPERDÍVEL
Fonte: Palco Paulistano, 30 de novembro de 2019
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