Uma turma de estudantes de teatro reúne-se para começar o trabalho final do semestre: uma montagem de “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, como determinado pelos professores. O clima é de total empolgação, como não pode deixar de ser ao montar um dos maiores clássicos da dramaturgia.
Logo na decisão e distribuição dos papéis, porém, as coisas começam a mudar. Os professores escolhem “a”, e não “b”, para o papel de Romeu. E “c” acaba ficando com o de sua amada, para desespero de “d”, que havia se preparado durante meses para aquela experiência, mas recebe uma personagem secundária.
Essa situação poderia acontecer em qualquer escola que adote o modelo de ensino formal. E o resultado, evidente, seria a inevitável briga pelos papéis principais e divergências que definitivamente não são proveitosas para a criação artística.
Essa situação certamente não aconteceria aqui na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. Por quê? Porque aqui a busca pelo protagonismo não é valorizada. Pelo contrário: todos são protagonistas, do técnico de palco ao ator que fica em cena o tempo todo. Interessa-nos muito mais a experiência coletiva. Encaramos o trabalho em grupo e a vivência como potências inigualáveis e insubstituíveis.
E não é apenas isso. Também não aconteceria porque aqui corremos riscos. Mas outro tipo de riscos: aqueles que são imprescindíveis para o crescimento de um cidadão e de um artista. Todo nosso sistema pedagógico é voltado para esse pensamento.
Riscos, riscos, riscos: é disso que estamos tratando durante esses anos de projeto. Não os tememos porque os encaramos o tempo todo, sem arrogância. Amedrontador e inconcebível seria, isso sim, ter de trabalhar com tudo aquilo que já foi testado e comprovado no teatro, fazer mais do mesmo. Mirar apenas textos e formatos já consagrados, entregá-los nas mãos dos aprendizes e deixar que o ciclo continue pela milésima vez.
Rejeitamos, com toda nossa força, o conforto. Ainda que ele seja atraente, às vezes. Mas quando idealizamos essa Escola, fizemos um pacto: não teríamos compromisso com o acerto, jamais. Se ele vier, ótimo, mas virá apenas como consequência, nunca como objetivo, como meta.
O terreno de investigação que estamos construindo não se calca em respostas predeterminadas ou portos seguros. Nosso lugar é justamente o da dúvida, do “não sei”, do “não estar pronto”, como dizemos sempre. É assim que criamos possibilidades legítimas para nossas provocações.
Ou seja, os aprendizes podem esperar sempre o contato com o que há de mais real na vida. O que esperamos como retorno é que estejam sempre de mente aberta como nós estamos dispostos a dialogar e, inclusive, aptos a entrar em conflito – consigo mesmos e com o outro. Nunca amaciaremos esse choque para poupar crises, pois são elas que nos fazem amadurecer artística e pessoalmente.
Nosso modus operandi não pode ser obtido em bulas. Não temos uma poética estruturada. Somos amantes da dúvida, da incerteza e da coletividade. É com estas personagens nosso compromisso. Estamos certos? Nunca.