CRÍTICA | “Os Condenados” ou (Uma Excelente Metáfora Teatral.)

por Gilberto Bartholo

Já estava morrendo de saudade daquele delicioso e aconchegante lugar e, no dia 23 de setembro próximo passado (2022), depois de muito tempo, principalmente por conta da pandemia de COVID-19, pude voltar ao “Espaço dos Satyros”, para assistir a mais um dos vitoriosos espetáculos lá encenados, “OS CONDENADOS”, uma experiência inesquecível e muito diferente do que estamos acostumados a ver num palco, com texto de IVAM CABRAL e RODOLFO GARCÍA VÁSQUEZ, com direção deste, contando com um elenco fantástico.

Ir ao “Espaço dos Satyros” nunca é motivo que possa gerar frustração ou, nem mesmo, desagrado; muito pelo contrário, é sempre certeza de que vamos ao encontro de alguma encenação marcante, que vale a pena ter conhecido, como a de que falo, nesta crítica.

Durante o longo período mais agudo da pandemia, que, é sempre bom lembrar, NÃO ACABOU, a turma dos “Satyros” me ajudou muito, e a muita gente, tenho certeza disso, a suportar a dor do confinamento, o sofrimento por ver tantos parentes e amigos morrendo, muito por culpa do descaso, PROPOSITAL, de um (DES)governo federal, “acidental”, cruel, desumano, sem o mínimo de empatia para com a população brasileira. Quanto aos “Satyros”, pelo que agradeço do fundo do meu coração, refiro-me aos vários e ótimos trabalhos “on-line”, a que eu chamo de “experimentos cênicos virtuais”, porque NÃO É TEATRO, propriamente dito, apresentados pelo pessoal, os artistas, de lá. Tratou-se, porém, de um excelente movimento, via uma nova linguagem, que pensei que ficaria, paralelamente ao TEATRO presencial, quando este voltasse a existir, como já aconteceu, mas parece que perdeu a força, infelizmente. É uma pena, porque era extremamente democrático, levando ARTE aos mais recônditos locais do Brasil e até do exterior, e a pessoas que pouco, ou nenhum, contato tinham, até então, com atividades artísticas.

Mas falemos de “OS CONDENADOS”, que estreou no dia 6 de agosto passado, motivo desta crítica, espetáculo que, por sua enorme excelência e grande procura do público, em todas as sessões com lotação esgotada, teve o final de sua temporada, que estava programado para a última semana deste mês de setembro, postergado para o dia 29 de outubro próximo.

SINOPSE:

ANTENA (JULIA BROBOW) é uma mulher solitária e fechada em seu mundo particular.

Ela tem a compulsão de contar números em sequência, sem parar.

Sua única atividade é alimentar pombos, na Praça das Condenadas, em São Paulo.

Um dia, uma pomba aproxima-se de ANTENA e se apresenta, falando na língua humana.

Seu nome é RUSGA (ANDRÉ LU).

Ela conquista ANTENA e vai morar em sua casa.

RUSGA leva, junto, outras pombas, e, com o passar dos dias, muitas outras mais.

ANTENA, carente, deixa-se manipular, cede até o seu quarto para as aves e, logo, tem sua casa tomada por elas, que vão se espalhando, cada vez mais, pela cidade, e, em seguida, pelo mundo, chegando a outros países.

Logo, passam a ocupar cargos de destaque, em todas as áreas – política, cultura, esportes, ciência – e viram notícia na imprensa mundial.

Quisera eu dispor, no momento, de muito tempo, para dedicar a “OS CONDENADOIS” muito mais palavras do que apenas as que estou utilizando, porém a fila de críticas a serem escritas é grande. Mas vou tentar condensar e expressar o máximo do que senti, quando o espetáculo terminou, no mínimo de palavras possível, que o meu fraco poder de concisão me permitir. Talvez bastasse dizer que “deixei o ‘Espaço dos Satyros’ em total estado de graça”, naquela noite, o que creio tenha sido captado pelo querido RODOLFO GARCÍA VÁSQUES, durante nosso “papo” na calçada, enquanto aguardava o motorista que me levaria ao meu hotel. Mas, em dez palavras, seria resumir demais os meus sentimentos.

Extraído do “release” que me enviou STELLA STEPHANY (JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany – Assessoria de Imprensa): “A peça conta a história de uma invasão de pombos brasileiros, oriundos da Praça das Condenadas, em São Paulo, para todo o mundo. Estes pombos, que falam a língua dos humanos, se proliferam e passam a ocupar lugares de destaque na política, nas artes, na ciência, nos esportes, em sociedades de todos os continentes. Através da metáfora da dominação mundial dos pássaros, a peça fala da propagação de um movimento conservador e reacionário global, em nosso tempo.”.

Poderia haver algo mais atual, alguma coisa mais significativa, para falar do horror do momento político-social que vimos passando, no Brasil e fora de nossas fronteiras, em tantos outros países? A sensibilidade e o aguçado espírito crítico dos dois dramaturgos são, por demais, tão imensos, que eles conseguiram, a partir de uma ideia genial, escrever um texto “sem gorduras”, pressionando, firme, o dedo nas nossas chagas. Isso dói muito, porém nos obriga a refletir e a não perder o ânimo nem “jogar a toalha”. Mas a nossa “vitória” não vem “de graça”; é fruto de muita luta e sofrimento.

São palavras do diretor, RODOLFO GARCIA VÁSQUEZ, e um dos autores do texto, sobre a montagem, trecho extraído do já citado “release”: “O texto nos leva para um universo mais metafórico, menos realista, e buscamos muitas referências, tanto em cinema quanto em literatura e TEATRO, referências mais góticas, mais surrealistas também, para a nossa encenação. Acho que é um espetáculo bastante diferente do que temos feito nos últimos tempos, estamos buscando caminhos muito interessantes.”.

Comentando as palavras de RODOLFO, tenho a dizer que achei a ideia, a sua construção e concretização, na forma de um espetáculo teatral, uma das melhores coisas a que venho assistindo, nos últimos tempos e, de tudo o que já conheço de trabalhos levados à cena, por ele e por IVAM, pouco me falta para afirmar que é o melhor espetáculo da dupla, a despeito de tantos outros igualmente excelentes encenados por eles, ao longo de mais três décadas.

Do princípio ao fim da peça, predominam as características do “realismo mágico” ou “realismo fantástico”, o que muito aprecio, em qualquer mídia. Tal manifestação se caracteriza, no plano da linguagem, pela constante utilização de símbolos e de metáforas e, no plano temático, pela ocorrência de enredos em que coisas mágicas e mirabolantes acontecem com os personagens, que é, exatamente, o está presente em “OS CONDENADOS”. Como o próprio nome indica, tal proposta combina uma visão realista do mundo com elementos mágicos que são inseridos em cenários cotidianos.

Quem já assistiu à peça ou terá, ainda, a oportunidade de fazê-lo (Eu gostaria muito de poder rever o espetáculo, de tanto que gostei dele.) percebe, na encenação, alguns elementos da ordem do “fantástico” inseridos na vida real, no cotidiano, de uma personagem “normal”, como se fossem comuns, encarados com alguma naturalidade, sem que provoquem grande surpresas, choques ou apreensões. Curiosidade, porém, por parte da plateia, não falta, para tentar entender as mensagens ditas, metaforicamente ou nas entrelinhas. Notará, também, que não existe uma explicação lógica, racional, para os acontecimentos fantásticos, que apenas ficam abertos a interpretações subjetivas. Isso é muito bom no TEATRO.

IVAM e RODOLFO, para escrever esta peça, beberam na inspiradora fonte na qual mataram sua sede nomes como Gabriel García Márquez, considerado, por muitos, o grande baluarte nesse tipo de literatura, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Mario Vargas Llosa, curiosamente, todos escritores sul-americanos, sem que possamos nos esquecer do nosso Dias Gomes, em sua célebre obra, para a TV, a novela “Saramandaia”, além dos escritores nacionais Murilo Rubião e José J. Veiga. Beberam; e beberam muito bem! Fartaram-se!!!

Ainda extraído do “release”: “A peça navega em duas instâncias: no microcosmo, que é a cabeça da protagonista, uma mulher solitária às voltas com seus fantasmas; e no macrocosmo, numa visão política que fala do coletivo, das sociedades. Através da metáfora da dominação mundial dos pássaros, a peça fala da propagação de um movimento conservador e reacionário global, em nosso tempo.”.

No campo da visão microcósmica, inerente à personagem ANTENA, podemos destacar a gama de seus conflitos internos, pessoais, com uma “luz mais forte” lançada sobre a sua solidão, seu estado de profunda depressão, que muito irá contribuir para que ela seja uma “presa fácil” para os invasores, e o peso da morte de sua avó.

No que diz respeito ao macrocosmo, identificamos várias situações análogas aos dias de hoje, como, saltando aos nossos olhos, a questão da pandemia de COVID-19, representada pelos pombos adoecendo gravemente. Também está evidente a insuportável e injustificável postura de opressores X oprimidos (Vide a invasão russa à Ucrânia, por exemplo.), que ganha um pouco de “humor”, para aliviar a tensão (Nunca podemos nos esquecer de que o humor implica crítica e reflexão.) na criação de uma certa “sociedade antipombas”, depois que o “estrago” já estava feito, em Ipanema, bairro mais que nobre, do Rio de Janeiro (O local não poderia ser mais bem escolhido pelos autores do texto.). Não creio que seja uma “viagem” de minha parte, identificar os “condenados” como a enorme população de dependentes químicos, de drogas, os “zumbis cracudos”, que povoam a cidade de São Paulo, em particular, o que não é um problema restrito, somente, àquela metrópole. Não poderia ficar de fora, no tocante a essa visão, a crescente onda de fascismo, na figura dos reacionários de extrema direita, que são o nosso maior pesadelo, no Brasil de hoje, e que também vem crescendo de volume em todo o planeta, que, é sempre bom lembrar, É REDONDO!!! E vai continuara ser!!! Mas – quem há de saber – os “condenados” não podem ser todos os fracos, os que não reagem ao opressor? Creio ser essa a melhor identificação deles.

Além do brilhantismo do texto, faz-se mister elogiar mais um excelente trabalho de direção de RODOLFO GARCÍA VÁSQUEZ, o qual, como coautor do texto, já leva alguma vantagem no pensar nas soluções, a fim de tornar palpável o que, antes, só existia nas cabeças e no papel. É incrível como o diretor nos reserva surpresas! Logo no momento seguinte a uma cena impactante e de total arrebatamento, uma outra que a supera. É como, se ao abrir uma porta, para nos vermos livres de uma situação de desconforto, nos deparássemos com um cômodo onde mais desalento encontramos. Mas avistamos outra porta, que nos levará, sempre, a uma situação pior, de desconsolo. É impressionante a maneira como RODOLFO sabe aproveitar cada centímetro quadrado do acanhado espaço do “Espaço dos Satyros”, ocupando-o da melhor forma possível, com suas excelentes ideias para a resolução de cada cena, passadas em espaços diferentes, internos e externos. Aqui, somos obrigados a ligar o trabalho de direção a outros elementos de criação: a cenografia e a iluminação. Os três estão, intimamente, ligados nesta encenação, interdependentes por completo.

Na ficha técnica, cenário, figurinos e visagismo, criados por uma só pessoa, ADRIANA VAZ, aparecem reunidos numa só curiosa rubrica: “design” de aparência.

No tocante à cenografia, ela é das coisas mais surpreendentes e geniais que vi nos últimos tempos. São vários “sets”, todos distribuídos num mesmo espaço cênico, totalmente bem aproveitado, incluindo a fantástica ideia de uma locação ao alto, no exterior de uma casa, um quintal, onde se passa uma importante ação, que me intrigou bastante, até o momento em que é explicada, na peça, deixada à vista do espectador, por meio de uma parede de vidro, uma espécie de “janelas”. Os materiais utilizados, na confecção dos cenários, são de baixo custo, e sua combinação gera efeitos magníficos.

Magnífica, também, é a iluminação do espetáculo (FLÁVIO DUARTE e RODOLFO GARCÍA VÁSQUEZ), merecedora de prêmios, a meu juízo, um “festival” de pouca luz e muitas sombras, o toque do cinema “noir”, “brumoso”, criando um clima de mistério e suspense, que a peça exige, sem falar nos excelentes efeitos especiais que ela nos proporciona. A luz varia na direção de cada cena, em locais diferentes, deixando bem clara a mudança de ambientação.

São precisos e preciosos os figurinos, acompanhando a “pegada” da proposta texto, girando dentro de uma atmosfera de degradação, um figurino que remete ao soturno.

É muito marcante o visagismo, trabalho que merece ser ressaltado, por sua excelência. Parabéns a ADRIANA, por reunir tanto talento em diferentes nichos!

Tudo é importante, numa montagem teatral, e, se existe, é para agregar valores ao espetáculo, como é o caso, também, da trilha sonora original de “OS CONDENADOS” (Leia-se: Projeto C.An.T.O.).

E, por último, mas não menos importante, muito pelo contrário, reservei um espaço para aplaudir, efusivamente, como fiz lá, ao final da sessão, o profissionalismo e o talento de todos os que fazem parte do elenco da “CIA SATYROS”, para os quais eu teria um papel reservado, numa montagem que, hipoteticamente, eu dirigiria. Há um nivelamento total entre todos, não importando o peso do personagem de cada um. Todos são brilhantes. Gostaria de fazer elogios particulares, a cada um do todo, porém, infelizmente, por morar no Rio de Janeiro e não conhecer a todos, deixo registrado o meu mais contundente apreço ao trabalho de cada um e me reservo o direito de, uma vez ser possível as suas identificações, aplaudir, com um grito a mais de “BRAVO!”, JULIA BROBOW, por sua comovente e irretocável ANTENA; ANDRÉ LU, o RUSGA, chefe dos “bandidos usurpadores”; e HENRIQUE MELLO, este, principalmente, pelo seu ótimo “timing” para a COMÉDIA, na cena em que, do nada, surge, como que um suspiro, para aliviar a tensão do público, pedindo a alguém da plateia que escolha um figurino para ele usar nas cenas em que aparecerá, dali em diante, na condição de personagem, empurrando uma “arara” com várias peças de roupas. Nesse momento, desopilei, por completo o meu fígado e consegui relaxar bastante, quando ele tece críticas aos críticos de TEATRO. Simplesmente, hilário!!! Quem desaprovar a “zoação” bom crítico não é.

FICHA TÉCNICA:

Texto: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez

Direção: Rodolfo García Vázquez

Assistência de Direção: Gustavo Ferreira

Elenco (por ordem alfabética): Andre Lu, Anna Kuller, Beatriz Medina, Eduardo Chagas, Henrique Mello, Julia Bobrow, Luís Holiver e Marcia Dailyn

“Design” de Aparência (Cenário, Figurinos e Caracterização): Adriana Vaz

Assistência de “Design” de Aparência: Elisa Barboza e Letícia Gomide

Iluminação: Flávio Duarte e Rodolfo García Vázquez

Trilha Sonora Original: Projeto C.An.T.O.

Canção “Janela Fechada”: Andre Lu

Confecção de Máscaras: Eduardo Chagas

Operação Luz: Flávio Duarte

Operação de Som: Leonardo Moura

Produção: Diego Ribeiro e Maiara Cicutt

“Designer” Gráfico: Henrique Mello

Fotos: André Stefano

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany

SERVIÇO:

Temporada: de 06 de agosto a 29 de outubro de 2022.

Local: Espaço dos Satyros.

Endereço: Praça Franklin Roosevelt, 214 – Consolação – São Paulo – SP.

Tels: (11)3255-0994 e (11)3258-6345 / WhatsApp: (11)97883-9696.

http://www.satyros.com.br

Dias e Horários: Sextas-feiras e sábados, às 21h; domingos, às 19h (até final de setembro). Sextas-feiras e sábados, às 21h (a partir de outubro).

Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada), na bilheteria do “Espaço dos Satyros” ou em www.sympla.com.br

OBSERVAÇÃO: Aos domingos, o ingresso poderá ser 1kg de alimento não perecível, de 30 de setembro a 29 de outubro.

Capacidade: 40 lugares.

Duração: 70 minutos.

Classificação Etária: 12 anos.

Gênero: Drama.

A “CIA OS SATYROS”, para quem não sabe, é uma das mais antigas e importantes em São Paulo, e no Brasil. Em 33 anos, já são mais de 140 espetáculos, em 36 países, e mais de 130 prêmios, nacionais e internacionais. Durante o período mais crítico da pandemia de COIVID-19, como já falei, foi pioneira na investigação de linguagens em fusão com o audiovisual, encenando 16 espetáculos digitais, em menos de dois anos. Não perdi nenhum e assisti a alguns algumas vezes, sem me cansar. Mas nada como o TEATRO presencial!!!

É mais que evidente que recomendo, com o maior empenho, este espetáculo, mais uma grande encenação no currículo da “CIA OS SATYROS”.

FOTOS: ANDRÉ STEFANO

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Fonte: O Teatro me representa

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