PORTAL TERRA | Não somos vilões nem mamamos nas tetas do governo, diz ator

Ivam Cabral, diretor da SP Escola de Teatro, afirma que o governo federal tem obrigação de estimular economias como a produção artística

 por Jeff Benício

 Assim como a imprensa, os artistas também são vistos como ‘inimigos’ por Jair Bolsonaro. Conservador, ele se irrita com o pensamento progressista, o comportamento libertário e a militância de esquerda da maioria dos profissionais das artes.

 Um dos que se opõem ao presidente é o ator, diretor e dramaturgo Ivam Cabral, doutor em Pedagogia do Teatro e mestre em Artes Cênicas pela ECA/USP. “Este (des)governo é mais perigoso que o vírus”, protestou em seu perfil no Instagram.

Cofundador, ao lado de Rodolfo García Vázquez, da premiada e vanguardista Cia. de Teatro Os Satyros, Cabral é diretor executivo da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, com unidades no Brás e na Praça Roosevelt, na capital paulista.

Em conversa com o blog, o multiartista analisa a inovação dos espetáculos on-line, os efeitos devastadores da pandemia na vida dos profissionais dos palcos e a animosidade contra a classe artística da parte de bolsonaristas. Ele afirma que, apesar das adversidades, a arte sairá mais forte deste período turbulento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O teatro digital é um formato que será permanente ou deverá perder força com a retomada das sessões presenciais?

Eu poderia começar devolvendo a pergunta. Retomada? Quando? Em 2022? 2023? (risos) É fato que descobrimos uma outra maneira de nos comunicarmos. Dirijo a SP Escola de Teatro, um centro de formação enorme, com centenas de funcionários e uma equipe pedagógica com muitas dezenas de colaboradores que se reúnem semanalmente. Em uma cidade como São Paulo, os encontros nos espaços digitais só nos ajudaram. Descobrimos, também, que todo trabalho feito nos setores administrativos, por exemplo, pode ser realizado a distância. É óbvio que tudo isso veio pra ficar. Neste sentido, o teatro digital também veio pra ficar. Porque, com a pandemia, descobrimos que o teatro deixou de ser regional para ocupar um lugar muito mais significativo. Antes, estrear uma peça significava receber na plateia as pessoas que residiam no mesmo espaço geográfico que o nosso. Hoje, nossas plateias são ocupadas por públicos que vêm do Brasil inteiro. E de fora do também. É comum termos na plateia gente da África, da Europa, da Ásia. O teatro digital nos conectou com o planeta inteiro em apenas um clique.

 

Acredita que esse formato estimulou a criatividade e o senso de reinvenção dos atores?

Certamente que sim. Os atores e toda a equipe técnica desses espetáculos tiveram que se reinventar. Tivemos que aprender técnicas antes inimagináveis. Mas com uma única razão. Nossa classe trabalhadora é a que mais tem sofrido com esta pandemia. E vai demorar muito tempo para que as coisas voltem à sua normalidade. Não creio que tudo isso tenha um final feliz. Ainda teremos que nos reinventar muito mais. Não é uma questão que estará resolvida em pouco tempo.

 

Conhece atores que precisaram recorrer a outra profissão para sobreviver?

Acho que foi o que mais aconteceu. Muitos colegas de profissão tiveram que buscar alternativas em outros setores para que suas vidas pudessem continuar. Agradeço por viver em uma cidade como São Paulo. Tanto o governo municipal quanto o estadual lançaram programas de apoio aos artistas logo no início da pandemia. Tivemos respostas muito rápidas. Mas o Brasil não é apenas São Paulo. O governo federal, que deveria ter estruturado uma política com alguma seriedade, se calou, infelizmente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O que acha da hostilidade contra os artistas em geral, e os atores especialmente, por parte do governo de Bolsonaro e seus apoiadores?

Terrível o que aconteceu. De repente passamos a ser vilões da sociedade. Essa história de que a classe artística mama nas tetas do governo grudou de uma maneira assustadora. Importante dizer aqui que um governo federal tem obrigação de estimular economias com seus programas de apoio aos setores. E que o apoio (financeiro) à cultura é um dos menores de toda cadeia econômica. O que este governo fez é cruel e covarde. A quantidade de fake news assusta até os incautos.

 

Muitas instituições de educação estão em situação financeira caótica; alguns até sob ameaça de fechar as portas. Como está a SP Escola de Teatro?

Como disse, o olhar dos gestores da cultura em todo o estado de São Paulo foi muito diferente do resto do Brasil. Nossos orçamentos se mantiveram e nossos programas estão sendo mantidos. Mas reitero: o Brasil não é São Paulo.

 

Qual a sua orientação a um jovem que, apesar das dificuldades impostas pela pandemia de covid-19 e a situação econômica, sonha iniciar carreira de artista?

Eu acho que temos que continuar a lutar. E lutar significa continuar a ocupar espaços. Desta forma, continuaremos a lutar e impor um novo jeito de pensar e viver nesse mundão de Deus. Na história, não é a primeira – nem será a última vez – que o teatro e toda a cadeia produtiva da cultura sofrerá um baque como este. Como você imagina que foi, por exemplo, para os artistas europeus que viveram a Segunda Guerra Mundial, quando viram seus teatros destruídos? Ou como estão sobrevivendo os artistas sírios ou palestinos, só pra trabalhar com dois exemplos, neste momento? Ingenuidade pensar que a arte morreu neste momento, nestes lugares. Os artistas são os grandes catalisadores de esperança de todas as épocas. É na arte que sobreviverá sempre a esperança da paz e da harmonia. E da saúde também. Mesmo que briguem conosco e mesmo que não creditem nossas importâncias. Porque não morreremos pela falta de esperança. Jamais. Seremos aniquilados? Pode até ser, mas com poesia.

Fonte: Portal Terra

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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