Assisti neste final de semana a “Idade é um sentimento”, espetáculo instigante da autora canadense Haley McGee, que mergulha de maneira inteligente e sensível na complexidade da percepção da idade na sociedade contemporânea. O texto, construído a partir de reflexões pessoais e observações agudas, nos convida a pensar como a idade — mais que um dado cronológico — atravessa nossas identidades, relações e desejos, moldando expectativas, muitas vezes cruéis, sobre o que deveríamos ser ou ter alcançado em cada fase da vida.
Sob a direção inventiva de Camila Bauer, a peça ganha uma encenação deliciosamente orgânica e moderna. Bauer encontra soluções cênicas simples e precisas, que intensificam o jogo dramatúrgico sem jamais sobrepor-se ao texto — pelo contrário, sua encenação parece emergir dele, como se brotasse de dentro das palavras. Há uma liberdade e uma fluidez que encantam e desafiam: nada é óbvio, tudo pulsa.
O trabalho das atrizes, Gabriela Munhoz e Paola Kirst, é um capítulo à parte. São elas que sustentam a dramaturgia com entrega absoluta e uma presença cênica de rara intensidade. Alternando momentos de delicadeza, humor e brutalidade, Gabriela e Paola conduzem o público por esse labirinto de reflexões sobre tempo, memória, juventude, velhice, corpo e desejo. Estão impecáveis, em total sintonia, fazendo com que cada palavra dita pareça inevitável.
O espetáculo nos oferece, assim, uma potente reflexão sobre o tempo — não como uma linha reta, mas como um espaço de múltiplas possibilidades. O tempo que escoa, mas também o tempo que permanece, que volta, que insiste. A peça nos lembra que envelhecer pode ser menos sobre perda e mais sobre invenção.
Importante destacar também o gesto ousado e admirável do Porto Alegre em Cena, que nesta 31ª edição inverte o jogo: em vez de receber espetáculos de outras regiões, decidiu enviar produções gaúchas para circularem por palcos pelo Brasil. Uma iniciativa potente, que expande fronteiras e leva a singularidade da cena do Rio Grande do Sul a outros olhares, reafirmando a vocação inquieta e inovadora do festival.
“Idade é um sentimento” é, sem dúvida, uma dessas obras que ficam ecoando na gente muito tempo depois do aplauso final. Um teatro que, ao falar da idade, nos fala da vida — com todas as suas camadas, suas contradições, suas belezas.
A peça segue agora para o Rio de Janeiro, onde será apresentado de 30 de abril a 7 de maio. Uma oportunidade imperdível para quem deseja se deixar atravessar por um teatro pulsante, delicado e profundamente humano.