Última noite no Porto. Amanhã sigo para o Ribatejo, onde visitarei o meu querido Rui Germano. De lá, retorno ao Brasil, na quarta.
É sempre muito bom estar por aqui. Nos últimos tempos, tenho conseguido vir pra cá todo ano. E, pelo que tudo indica, voltarei no próximo também; meu solo, “Todos os Sonhos do Mundo”, foi convidado para ser apresentado em Lisboa e Bragança e, numa forçada de barra, em Rio Maior, também. Continuo forçando a barra para ver se chego à Galícia, na Espanha. Hei de conseguir!
Mas é para falar de Portugal este texto.
Tenho uma relação de muito amor com o país. Vivi sete anos em Lisboa, durante os anos 1990. Completei os meus 30 anos de idade aqui. Não é pouco; é, sem nenhuma dúvida, um dos momentos mais importantes da vida de qualquer pessoa. É quando deixamos a adolescência de vez e entramos na fase adulta; um divisor de águas, portanto.
As músicas que ouvi, os livros que li, os filmes que assisti neste período, passaram todos pelo crivo português. E, nesta fase, é o que determina o homem que acabei me tornando. Por isso, sou muito agradecido a Portugal. Parte importante da minha compreensão de mundo e de vida, passaram pelo filtro lusitano, em um momento – é bom dizer – muito importante para a história recente da Europa. A Comunidade Europeia estava sendo estruturada e, com isso, discutidas ações para cidadanias e liberdades, que acabariam por nortear os rumos do planeta no início deste século XXI.
Mas os olhos da juventude não enxergam tão longe assim. Quando se é jovem a gente quer mesmo é olhar para o lado, para os pares, para os iguais; muito embora eu fosse, desde sempre, um jovem diferente, como tinha sido uma criança diferente, como sou hoje um homem diferente.
Hoje, um tanto distanciado pelo tempo e por um oceano que nos separa, me atrevo a dizer muitas coisas de um Portugal que eu via, naquela época. Nem sempre com avaliações positivas, é verdade. O que eu achava: que o português era ingênuo e o brasileiro esperto; o que eu acho hoje: que o português é inteligente e o brasileiro, um completo imbecil. Será que preciso explicar? Tá bom, vamos lá.
Novamente, precisarei usar o tempo como discurso. Enquanto os brasileiros espertos do tempo que eu era jovem – eu, incluso – apostávamos na aventura e no que estávamos vivendo naquele momento, o português formulava itinerários divagando sobre o tempo e incertezas. Passados vinte e tantos anos, é fácil observar: nós, brasileiros, continuamos com todas as espertezas e certezas do mundo, enquanto o português ainda tenta formular seus itinerários e divaga acerca de tempos e incertezas.
Outro exemplo e agora trazendo a especulação para o meu mundo, o das artes. Enquanto nos auto-creditamos o povo que melhor sabe fazer telenovelas no planeta; Portugal, o ingênuo, importou diretores e produtores do mundo todo – brasileiros, incluso – treinou e aprendeu e, nos últimos anos, levou alguns Grammys como melhores fazedores de telenovelas do mundo. Um importante – e espertíssimo, só para não perder a piada – diretor brasileiro, que passou pela Globo, foi contratado, recentemente, para dirigir telenovelas aqui em Portugal e, na coletiva de imprensa que anunciava a sua contratação, disse bobagens. O espertalhão falou que estava vindo para ensinar os portugueses a fazerem telenovelas. Teve o contrato rescindido, óbvio. Com o pavio completamente queimado no Brasil, viu as portas portuguesas serem fechadas por conta de sua cavilosidade.
Parece pouco? Não é. E não é mesmo! Portugal teve a geringonça e nós, brasileiros, com toda a nossa astúcia, elegemos Bolsonaro.
Mas nem sei porque acabei chegando em política. Poderia ter utilizado exemplos da literatura, do cinema, da música (meu Deus, Portugal tem Rodrigo Leão!) ou até da neurociência (Antonio Damásio é português, vejam só!). O texto era para falar que estou deixando a cidade do Porto, rumo ao Ribatejo, e que matarei saudades do meu amigo Rui. Mas antes, temos um jantar hoje à noite na casa da encenadora Luisa Pinto e do lighting designer Bruno Santos, em Matosinhos. Vamos comer bacalhau e beber vinho. E, por ora, esquecer as diferenças. Das desavenças também. Afinal, temos muito o que fazer e meu solo “Todos os Sonhos do Mundo” recebeu convite para voltar à terrinha no próximo ano. Isso é muito; muito mesmo!
Enquanto Portugal cresceu muito nas últimas duas décadas, o Brasil só desceu a ladeira.
Sinais dos tempos…