MINHA ADORÁVEL BLANCHE

Vivien Leigh em cena do filme "Um Bonde Chamado Desejo", de Elia Kazan, a partir da obra homônima de Tennessee Williams

– Ué, você, em casa?

– A Charlotte não parou de miar. Tá me dando muito trabalho.

– O pessoal tá te esperando.

– Você tem velas pra me emprestar?

– Velas?

– Continuo sem luz.

– Ainda não ligaram a luz?

– O dinheiro que você me deu eu paguei a conta do telefone.

– E ficou sem luz?

– O telefone é mais importante.

– Mas como você pode viver sem luz?

– É, estragou tudo que tinha na geladeira. Tive que jogar um frango inteirinho no lixo. Já tava cheirando mal.

– Você tem o que comer?

– Ainda tenho um macarrão que dá pra hoje.

– E amanhã?

– Logo se vê.

– Mas você não pode viver assim. Posso te dar mais um dinheiro, então. Quanto você precisa?

– Se você me arrumar 100 reais acho que dá.

– Tudo bem, te arrumo 100 reais. Paga a conta da luz e compra alguma coisa no supermercado?

– Espera, bicho. Não é assim. É que tem outra conta de telefone que preciso pagar.

– Mas e a luz? Você não pode viver desse jeito. E precisa comer também.

– Eu sei, filho, eu sei. Mas prefiro ter o telefone ligado. Deus me livre ser esquecida pelo mundo.

– Meu amor, você não pode viver desse jeito.

– Não se preocupe. Com o telefone ligado o resto se ajeita.

– Então você não vem agora?

– Às quatro eu passo aí.

– Tudo bem, eu te espero. Um beijo.

– Outro.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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