Não sou do tipo herói, não. Existem muitas coisas das quais eu me arrependo em minha vida. Se pudesse refazer o meu trajeto, mudaria, sim, muitas coisas. Não teria corrido, infinitas vezes, atrás da Jane Mary, a peidorreira.
A história de Jane Mary era bastante conhecida. Fora abandonada, dias antes do casamento, porque peidara no carro do noivo, após assistirem a missa das sete e meia.
Não se sabia muito bem o porquê, mas Jane Mary, a peidorreira, adquiriu um costume bastante incomum. Todo dia, pontualmente às três da tarde, fizesse sol ou chuva, lá vinha ela com sua sombrinha amarela e a bolsa de mão branca. Descia a rua principal da cidadezinha sem olhar para os lados, em passos meticulosamente lentos e ordenados.
Também falavam que Jane Mary, depois de peidar no carro do noivo e ver o casamento desfeito, ficou exatos cinco anos sem sair de casa e emitir qualquer som. Um dia, sem mais nem menos, pegou a sombrinha e a bolsa e desceu em direção ao cemitério. Antes, soltou a primeira frase:
– Tenho que pagar os meus pecados.
Foi a partir deste dia que Jane Mary iniciou o seu ritual que durou décadas. E, perto das três e quinze, três e vinte da tarde, quando passava perto de casa, os meninos da minha rua corriam atrás dela gritando, num coro:
– Jane Mary, peidorreira! Jane Mary, peidorreira!
A moça não mexia um músculo sequer. Lembro bem, seu olhar, sempre fixo em direção ao horizonte, era seco; porém, havia qualquer ternura ali.
Jane Mary não tinha vida social. As duas únicas coisas que fazia, sempre em absoluto silêncio, eram estas idas diárias ao cemitério e à missa, duas vezes por semana – aos domingos e às quartas, em louvor à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Romário, o moço que a abandonou por causa do peido fortuito, casou-se e teve três filhos. Amarildo, o mais novo, era amigo do meu irmão Cláudio e um dos mais entusiastas xingadores de Jane Mary, a peidorreira.
Com o passar dos anos, Jane Mary começou a usar uns óculos de armação preta, com lentes muito grossas. Corria à língua solta que o doutor Nagib, o optometrista da cidade que cuidava de Jany Mary desde a infância, havia confidenciado a alguém que a moça queria destruir sua visão porque nunca tivera qualquer problema nos olhos.
Fato é que Jane Mary, com o tempo, foi deixando mesmo de enxergar. Sei disso porque quando nós, os meninos, queríamos perturbar de verdade a peidorreira, colocávamos algum tronco pelo seu caminho só para vê-la tropeçar.
Xingar Jane Mary foi uma tradição que durou anos entre os meninos da cidade. Perdurou algumas gerações. Porque eu lembro bem que, quando entrei no grupo dos adolescentes, já havia presenciado a cena inúmeras vezes. E, já na juventude, continuei vendo os meninos menores mantendo a prática, correndo atrás da moça e gritando:
– Jane Mary, peidorreira! Jane Mary, peidorreira!
peida no meu rosto