“Surto Bruto Silencioso” é o título do livro de poemas de Celina Ishikawa, lançado pela Editora Patuá neste ano. O livro é a estreia de Celina na poesia, que já escreveu para teatro. Sua peça, “Espectro”, esteve em cartaz em 2018, em São Paulo.
Um aspecto me chamou atenção na obra de Celina Ishikawa. Há um tom político nas entrelinhas. Se não exatamente em críticas diretas, mas em pequenos pedidos de socorro que vêm, ora tímidos e delicados, ora sufocados. Já no primeiro poema do livro, a autora nos avisa que “os animais de cá podem derrubar o muro | os animais de lá podem sem poder rasgar a tenda”.
A obra de Celina Ishikawa transita entre o universo de James Joyce e Samuel Beckett, explorando, no entanto, menos o pessimismo e mais, muito mais, a poética do vazio ou a decadência do eu.
Fiquei tentando encontrar um paralelo de Celina com algum autor em língua portuguesa e só me aproximei dos portugueses. Na apresentação da obra, Aimar Labaki vai ligar Celina a Murilo Mendes, então eu me lembro de Luiza Neto Jorge. É que Murilo, brasileiro que viveu em Portugal, conviveu com a lisboeta Luiza, lá pelos idos dos 1970.
Esta proximidade de Celina com Luiza Neto Jorge, no entanto, não chega a ser assim tão óbvia. Entre elas, a utopia e o privilégio à palavra e à linguagem pelo desprezo à redundância, um trabalho menos discursivo e mais imagético.
Fico sabendo, através do texto na orelha do livro, que Celina é formada em Física, com MBA na FIA-USP, e me alivio. Tamanha capacidade de escrever de maneira tão concisa só pode vir de um olhar que abstraia completamente o devaneio, tão comum no terreno poético.
Celina Ishikawa percorre, nas 72 páginas do livro, um universo inteirinho onde o tempo, as estrelas, o homem e até o próprio universo são abraçados de maneira desconfiada pela autora.
Vale a pena conhecer a obra de Celina Ishikawa.
Trecho:
Os animais de cá podem não podem derrubar o muro
os animais de lá podem sem poder rasgar a tenda
ali sim
diziam entre si os animais olhando por cima do muro
lá sim
diziam para si os animais olhando pela fresta do pano
e os animais de cá continuam a bater cabeça nas grades
e os animais de lá continuam a receber chicotes nos flancos
pois ainda há os homens.
como agradecer esse seu olhar sobre minhas palavras estreantes ?
você escreve um livro lindo, celina.