Já parou para imaginar o que torna o teatro de um determinado local forte e influente para a cultura da população? Pode ser explicado por grandes autores e, consequentemente, grandes clássicos teatrais? Ou atores importantes e reconhecidos internacionalmente? Grupos ou companhias teatrais consolidadas? É possível afirmar que as três alternativas estejam corretas e o Brasil se encaixa em todas elas, sabia?
Em tempos em que grandes musicais parecem concentrar a preferência de grande parte das pessoas, é de muita relevância sabermos que o teatro brasileiro tem enorme tradição. Como explicou certa vez a saudosa crítica de teatro Barbara Heliodora, no livro ‘O Teatro explicado aos meus filhos: “O Brasil tem sua cultura marcada pela colonização (…) foi obrigado a assimilar o que lhe foi imposto para, só aos poucos, transformar o herdado em algo seu – seja a colonização lusitana, francesa ou norte-americana”.
Comemorado no dia 19 de setembro, o Dia Nacional do Teatro é uma homenagem para essa manifestação cultural que teve início no Brasil no século XVI, quando o país passou a ser colônia de Portugal. Naquela época, os padres jesuítas ensinavam a catequese aos índios por meio do teatro, já que para eles era eficaz, pois o uso de imagens facilitava o processo.
Como maneira de entretenimento, o teatro apareceu por aqui por volta de 1808, quando a Família Real Portuguesa chegou no país e convidava companhias teatrais para se apresentarem à nobreza. Logo depois, no século XIX, começaram a aparecer os grupos teatrais brasileiros, principalmente as comédias que retratavam a sociedade da época. A arte da dramaturgia no Brasil mostrou sua grandeza ao longo dos anos. Nesse sentido, vamos conhecer os maiores clássicos teatrais do país.
O Juiz de Paz na Roça (Martins Pena – 1838)
A comédia, que se passa na roça, retrata com muito bom humor o jeitinho “roceiro” do Brasil do século XIX. As cenas e produção têm foco em torno de uma família da roça, a família de Manoel João (incluindo o negro Agostinho), e do dia a dia de um juiz de paz nesse local, trazendo à tona diversas situações em que transbordam a simplicidade e inocência dessas pessoas.
O juiz de paz, corrupto, por exemplo, utiliza sua autoridade e inteligência para lidar, como também suportar, com a inocência dos roceiros, que lhe trazem casos cômicos.
O Auto da Compadecida (Ariano Suassuna – 1955)
Essa história ocorrida no Nordeste do Brasil mostra aspectos da literatura de cordel, do gênero comédia, características do barroco católico brasileiro e uma combinação da cultura popular e tradição religiosa.
Auto da Compadecida foi apresentada pela Rede Globo de televisão em 1999, em maneira de filme, e até hoje faz grande sucesso com o público.
Pluft, o Fantasminha (Maria Clara Machado – 1955)
Nessa produção, a menina Maribel é raptada pelo malvado pirata Perna-de-Pau. Logo depois, escondida no sótão de uma velha casa, a garota conhece uma família de fantasmas e faz amizade com Pluft, um fantasminha que tem medo de gente.
O Pagador de Promessas (Dias Gomes – 1960)
Dividida em três etapas, a história se passa na cidade de Salvador, já em processo de modernização. Assim, nessa peça, o sertanejo Zé-do-Burro deseja levar uma grande cruz até o interior da Igreja de Santa Bárbara como uma maneira de pagar a sua promessa e, no caminho até lá, sofre com as mentiras, com a corrupção e com a ganância das pessoas.
A Partilha (Miguel Falabella – 1990)
Essa produção conta a história de quatro irmãs que após muito tempo longe se reencontram durante o enterro da mãe, para fazer um levantamento dos bens da família e rediscutir suas próprias vidas. No entanto, a divisão da herança leva a uma visita ao passado e muita discussão. O desejo inalcançável das garotas é a recomposição do passado como uma ideia mítica de felicidade, e ele se desvenda através de um humor cruel.
Pessoas Perfeitas (Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez – 2014)
A peça apresenta um olhar sobre moradores anônimos das grandes cidades que, mesmo com as suas enormes diferenças, acabam se encontrando e convivendo, ou seja, trata-se de pessoas comuns e extraordinárias.
Grandes nomes do teatro
Martins Pena e João Caetano
Para os iniciantes em estudos sobre teatro, com certeza já se depararam com a obra de Martins Pena. Autor de textos de sucesso, por exemplo, ‘O Judas em Sábado de Aleluia’, ‘Quem Casa quer Casa’, ‘O Noviço’ e ‘O Juiz de Paz na Roça’, foi o autor da comédia de costumes brasileira.
É um artista importante por retratar o cotidiano do Rio de Janeiro dez anos depois da Independência, como também teve a capacidade de observar criticamente o comportamento de seus contemporâneos. Pena foi contemporâneo de João Caetano, um dos primeiros grandes autores da capital paulista, inclusive, um conhecido teatro da prefeitura leva o seu nome.
França Junior e Artur Azevedo
Outro grande artista foi França Junior que começou no teatro por volta de 1890. Assim, escreveu peças divertidíssimas, como ‘Como se Faz um Deputado’ e ‘Caiu o Ministério’, ambas as produções condenando o ridículo da vida política.
Alguns anos mais tarde, após a Proclamação da República, entra em cena o autor Artur Azevedo, tendo escrito centenas de obras. Além disso, suas peças são muito conhecidas, entre elas: ‘A Capital Federal’ e ‘O Mambembe’ (também de autoria de José Piza). Sobre ‘O Mambembe’, Fernanda Montenegro afirmou: “Expressava com adorável humor e amor essa herança de sobrevivência do teatro brasileiro”.
A atriz fez parte de uma das principais montagens da peça, em 1959, com o grupo que fez história, Teatro dos Sete.
Nelson Rodrigues – “Vestido de Noiva”
Com o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial, chegaram ao Brasil o ator polonês Ziembinski e a atriz francesa Henriette Morineau, o que representou um grande acréscimo para o teatro brasileiro. Naquela época, enquanto os brasileiros tinham preferência pela produção de textos estrangeiros, Ziembinski motivou a montagem de textos nacionais.
Surge então a famosa montagem de Vestido de Noiva, obra do grande Nelson Rodrigues, em 1943, marcando o começo do moderno teatro brasileiro. Anos depois, surgem muitos outros autores, por exemplo, Millôr Fernandes, Jorge Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna.
Vocês devem estar se questionando onde estão as autoras brasileiras? Então, infelizmente, elas não tiveram tamanho protagonismo, certamente por contingências sociais, porém muitas delas produziram textos importantíssimos para a dramaturgia brasileira.
TBC e EAD
Em 1948 foi fundado em São Paulo, o memorável Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), por Franco Zampari. Assim, entre os artistas que passaram por lá estão nomes conhecidos e consagrados, por exemplo, Cacilda Becker, Paulo Autran, Cleyde Yáconis, Fernanda Montenegro, entre outros artistas.
Paralelamente, também em 1948, é inaugurada a Escola de Artes Dramáticas (EAD) em São Paulo, sob coordenação de Alfredo Mesquita. Em outras palavras, a EAD é uma unidade complementar da Universidade de São Paulo (USP) e está em funcionamento até os dias atuais.
Teatro de Arena e Teatro Oficina
Indo em outra direção do que pregava o Teatro Brasileiro de Comédia, preocupado principalmente com a estética e desenvolvimento de grandes clássicos estrangeiros, começa o Teatro de Arena, iniciado por José Renato.
Responsável pela montagem exclusiva de produções nacionais, com foco no teatro político e social, o projeto envolveu grandes nomes clássicos do teatro como Gianfrancesco Guarnieri (autor do clássico ‘Eles Não Usam Black-Tie’), Oduvaldo Vianna Filho (o Vianinha), Chico de Assis e Augusto Boal. Além disso, em circunstância parecida, surge o conhecido Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa (o Zé Celso).
O Oficina foi responsável pelas lendárias produções de ‘Os Pequenos Burgueses’, de Gorki, e ‘O Rei da Vela’, de Oswald de Andrade. Logo depois, surgem diretores como Antunes Filho (diretor falecido do Centro de Pesquisa Teatral e responsável pela famosa produção de ‘Macunaíma’), o diretor Ademar Guerra, entre outros.
A censura
A censura decorrente da ditadura militar praticamente acabou com o teatro brasileiro. Desse modo, as pessoas que pararam de frequentar as salas de espetáculo em virtude da repressão daquele período, nunca mais foi o mesmo.
Nessa época, era uma batalha criar peças no Brasil, por exemplo, foi o caso de ‘Navalha na Carne’, de Plínio Marcos, ou “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra. Nesse sentido, antes da ditadura militar, havia sido conquistado um público para o teatro, tradicional e bastante consistente.
Após a ditadura, parece que regredimos à estaca zero, esse triste fenômeno pode ter acontecido também com a crise sanitária da covid-19.
Os clássicos do teatro são um instrumento social poderosíssimo, assim, é por esse meio de comunicação que podemos, por exemplo, questionar os grandes poderosos de plantão, discutir nossos problemas e, mais importante que isso, conhecer melhor a nós mesmos. Por isso, os clássicos teatrais devem ser valorizados e serem conhecidos por grande parte das pessoas.
Fonte: Nova Brasil FM