Ele tem perto de 70 anos e vive no condomínio há cinco. Vez ou outra nos encontramos no píer onde temos o pôr do sol mais lindo do mundo. Ele já me contara que resolveu deixar Higienópolis depois de sofrer um sequestro relâmpago no estacionamento de um shopping. Foi libertado numa rua deserta da Barra Funda, no momento em que sofria um AVC, tamanho susto. Quase, quase mesmo bateu as botas.
— Até esse dia, eu tinha o melhor coração do mundo, confidenciou-me certa vez.
Sua mulher morreu mais ou menos nesse período, depois de perder uma batalha enorme contra a diabetes. Então, sua vida nunca mais foi a mesma.
Agora, a família quer que ele volte para o apartamento do centro da cidade porque seu coração está dando sinais de cansaço e por aqui não temos sequer um hospital. O mais próximo, quase uma hora de carro.
Está triste este meu amigo, que esqueci seu nome. E isso, nesta relação, não é um mero detalhe. É seríssimo porque, passado tanto tempo desde o nosso primeiro encontro, já somos íntimos. E eu não tenho coragem de perguntar seu nome. Imaginem, ele me chama pelo meu, seria uma indelicadeza do tamanho do céu dizer que não me lembro do dele.
Mas ontem à tarde, nos encontramos mais uma vez no píer. Ele me disse que está se despedindo deste planeta, que seu coração não o deixa mais caminhar como no mês passado e que tem vindo ali todos os finais de tarde como se fosse o último.
Eu fiquei com vontade de abraçá-lo. Mas como não me lembro do seu nome, achei melhor não. Daí, ficamos em silêncio. Por muito, muito tempo.
Já começava a anoitecer quando, enfim, ele disse que ia embora. Mas, antes, olhou mais uma vez para o infinito e disse, pausadamente e com voz serena:
— É, o que é nosso nunca esteve em lugar nenhum.
[ Texto de 13 de janeiro de 2017 ]