por Ruy Filho
Até que ponto todas as histórias não são ridículas, quando revistas aos olhos de quem não as viveu? Mas são, verdadeiramente, ridículas as histórias ou somos nós, como materiais a elas? E o que é o ridículo? Como interpretá-lo, se toda e qualquer possibilidade mais se parece com questões sobre a sanidade?
O espetáculo “A Nossa Gata Preta e Branca” estabelece a sensação de haver verdade nas históricas trazidas ao público, ou a público, por seu tom documental confessional. Importam se são reais? Importam se são histórias?
Quando se trata de teatro, a especificidade de ser a linguagem a construção e representação de pressupostos escolhidos por alguma qualidade de estratégia, estética ou narrativa, simplifica quaisquer possibilidades, torna plausível de verdade, oferece-lhe sentido.
Expor-se, então, é, antes, o reconhecer a qualidade de dar realidade a toda narrativa em potencial, tornando-a própria, particular, por uma espécie de ficcionalização invertida sobre si mesmo. Não há mais personagem, mas há a personificação de possibilidades indiscutíveis. E nada é mais teatral que o rever-se pela perspectiva de ser si mesmo em cena, e, por isso mesmo, ser outro.
Toda verdade é irreconhecível. Toda fantasia é potencialmente a configuração de desejos repletos de infantilizações necessárias à sobrevivência da própria historiografia. Memórias são personagens, antes de tudo. E tudo se resume, então, apenas em ser teatro.
Quem disse que o teatro necessariamente é mentira?
O ridículo, portanto, consiste em reconhecer na estrutura do outro a própria demência que determina a estrutura de toda identidade. Ridículos somos, e nisso tornamo-nos iguais. E talvez seja essa a maior potência cênica a ser investigada. Como expor ao outro a própria essência, ao se traduzir veículo de possibilidades comuns.