Hoje, os imensos avanços da ciência, em campos como a física, a genética e a química, vêm despertando questionamentos fundamentais nas áreas da filosofia, da ética, do direito e das ciências sociais. No entanto, observa-se uma indiferença inexplicável dos artistas das áreas cênicas em relação a eles. Como esses avanços podem contribuir para o aprimoramento do ator?
Foi com tais questionamentos que nós, dos Satyros, começamos a refletir sobre o papel da arte, especificamente do teatro, no mundo contemporâneo. Afinal, estávamos empenhados em desenvolver uma sistematização que pudesse ancorar o trabalho da companhia. Mas esse “sistema” deveria também organizar os conceitos de produção, não só artística, mas também de viabilização estrutural.
Afinal, qual o papel de uma arte dramática tão primitiva quanto o teatro nestes dias de realidades virtuais? Ser um artista neste nosso estado de coisas é algo complicado. Vivemos um tempo em que as ideologias estão mortas e tudo é relativizado. “O sonho acabou” não só para uma geração, mas para uma forma coletiva de ver o mundo e se relacionar com ele.
Hoje não somos marxistas ou anarquistas, o máximo que podemos ser é politicamente corretos, fiéis a nossa “autenticidade”. Não existe mais um ideal revolucionário único que mova multidões e tudo o que podemos conhecer se restringe a imagens vazias de qualquer sentido além daquele que comanda as nossas existências hoje: gerar lucro.
O Mercado transformou-se em uma entidade soberana, misteriosa, que se coloca acima dos homens. Valores básicos como a noção de compaixão pela vida humana só são levados a sério pelas grandes empresas se e quando estes trouxerem um retorno para a imagem da marca, em um dos conceitos de marketing mais sofisticados nos dias de hoje.
O nosso curto tempo “livre” é explorado pelo mercado, como um dos segmentos mais lucrativos dos tempos modernos. Nossas atividades vão do turismo (hotéis, aviões, guias, Disneylândia e tudo o mais) à leitura (e o mercado editorial), passando pela música (e a poderosa indústria fonográfica), pelo cinema e pelo teatro.
Hollywood é uma das mais bem estruturadas manifestações da indústria cultural. As grandes corporações criam então uma cesta de produtos que reduzem o risco excessivo e protegem o investimento: um longa-metragem para adolescentes americanos entre 13 e 19 anos, outro filme para o nicho de mercado das mulheres independentes, um filme radical para os alternativos.
Essa indústria do entretenimento, ao mesmo tempo que se curva ao Senhor Consumidor e banaliza seu produto a fim de torná-lo acessível a um público maior, cria uma geração de seres humanos anestesiados, incapazes de uma experiência profunda e transformadora. Ela se coloca, simplesmente, acima das questões existenciais banais. Tornamo-nos apenas consumidores a ser encaixados em uma de suas categorias, segundo nossa classe social, nosso nível educacional, nossa faixa etária.
Estamos nós também recebendo rótulos como qualquer produto. E quando as mercadorias nos olham, nós nos tornamos seus objetos de desejo.
A arte só pode ser considerada iluminação da existência e “reduto da esperança”, como nos ensina Adorno, se conseguir manter viva a utopia da Humanidade, trazendo a Verdade com a única perspectiva honesta que nos resta hoje em dia: nossa visão enquanto artista.
Assim, o teatro vivo e pulsante, tal como as outras artes, negará a indústria e o mercado, o consumidor e o lucro. Coabitando com essas dimensões da estrutura social, esse teatro irá buscar sua integridade além delas. A desalienação do artista torna-se, nesse caso, elemento fundamental para a criação de um teatro significativo. Somente a partir do momento em que o ator se percebe como agente social efetivo através da arte, o espectador pode viver uma experiência teatral plena.
você não perde o jeito.