Todos os Sonhos de Cabo Verde

Encerrei hoje a minha digressão por Cabo Verde. “Todos os Sonhos do Mundo” foi apresentada há pouco na Praia, a capital do país, na Ilha de Santiago. Antes, havia atuado no Mindelo, na Ilha de São Vicente.

A sessão aqui na Praia foi no simpático Centro Cultural Português, com uma plateia pra lá de especial. E acho que foi uma das minhas melhores apresentações.

Não paro de me surpreender com esta peça, onde a plateia é parte essencial do trabalho. Nossa, quantas histórias! Como por exemplo as de hoje. Ao perguntar para o que faríamos se nos restasse apenas um dia de vida, ouvi de uma espectadora:

— Eu iria até a Espanha, procuraria minha mãe e pediria perdão a ela. Vou precisar desse perdão para morrer com alguma paz.

Ou, ao final da peça, outra espectadora me procura para um abraço.

— Entendi muitas coisas hoje.

Respondo que fico feliz com sua consideração. Ela quer tirar uma foto comigo e, enquanto fazemos a selfie, fala como uma automata:

— O vestido, tão lindo, continua guardado no meu roupeiro. Não tenho coragem nem tirá-lo do saco. Nunca foi usado, nunca. E era tudo o que sonhei a minha vida inteirinha. Não foi nesta vida, não foi.

Neste momento ela chora. Eu estou sem palavras. A partir de agora, fala com alguma dificuldade, sua voz está embargada.

— Ele morreu na semana do casamento, faltando cinco dias pro casamento.

Eu a abraço, não sei o que dizer.

— Um tumor, igual ao do seu irmão.  Na cabeça. Não resistiu, morreu na mesa de cirurgia.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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