Houve um tempo – e não faz tanto assim, apesar do calendário insistir em me contrariar – em que ter um blog era mais do que um hábito, era quase uma declaração de smor e de princípios. Inaugurar um blog no início dos anos 2000 significava dizer ao mundo: “Ei, eu existo, tenho opiniões e, com alguma sorte, uns leitores.”
Naquele tempo, o verbo não era “postar”, era “blogar”, com direito a conjugações meio tortas e um orgulho bobo de quem acreditava que a internet era um campo fértil de trocas sinceras e longas digressões.
Eu não estava sozinho nessa travessia: Cléo De Páris escrevia seus belos e melancólicos Desamparos; Alberto Guzik, com sua precisão de cronista, nos brindava com Os Dias e as Horas; Laerte Kessimos nos levava para dentro do seu peculiar olhar com Laerte e Mundo. E tantos outros, todos nós flanando entre textos confessionais, críticas de cinema, pequenos ensaios, ou simplesmente relatos de um dia qualquer. Como quem, sem saber, já lutava contra o efêmero antes mesmo das redes sociais nascerem.
Este meu blog nasceu ali, no portal UOL, sob o título Terras de Cabral. Nome pretensioso, admito, mas era isso ou algo com trocadilho ruim. E, por sorte, optei pela primeira alternativa. Eu fazia daquele espaço um território pessoal e, como todo bom território, era habitado por narrativas improvisadas, comentários de filmes que eu acabara de assistir, peças de teatro que me atravessavam, livros que me arrancavam o fôlego ou me davam sono.
Confesso que havia – ou há, ainda – um certo prazer em escrever para ninguém. Ou, talvez, para meia dúzia de pessoas curiosas, ou ainda para aquela figura etérea e silenciosa que todo blogueiro da época imaginava: um leitor ideal, generoso, inteligente, que lia até o final e não se ofendia com os devaneios mais esquisitos.
Aos poucos, os blogs foram saindo de moda. Vieram as redes sociais, as selfies, os stories, os vídeos curtos com dancinhas coreografadas e frases de impacto. Para o bem ou para o mal, o mundo ficou apressado. Os textos longos passaram a ser tratados com o mesmo desprezo dedicado às instruções de uso de um eletrodoméstico novo. “Quem é que tem tempo pra isso?”, perguntavam. E eu, teimoso, respondia em silêncio: “Eu.”
Em 2009, dei um passo que hoje vejo como uma espécie de segundo batismo digital: criei meu domínio próprio. Agora era oficial, eu tinha um canto só meu, sem o sobrenome de um portal, sem a sombra de um conglomerado de comunicação. Como quem deixa a casa dos pais e vai morar num apartamento pequeno, com paredes sujas, mas com a liberdade de escolher onde colocar a cama e o abajur.
Vieram os anos de abundância. Textos quase diários, uma vontade insaciável de registrar o mundo, como se o simples ato de escrever pudesse deter o tempo. Depois, como tudo na vida, vieram as fases de estiagem criativa. Meses de silêncio, períodos em que eu olhava para a página em branco e pensava: “Será que já escrevi tudo o que tinha pra dizer?” Claro que não. Mas era bonito fingir que sim, só para sentir o drama.
O fato é que nunca deixei de ter blog. Nunca. Ele esteve lá, quieto ou barulhento, mas sempre à espreita, como um cachorro de guarda que não late, mas que não te abandona.
Naqueles bons tempos, eu era surpreendentemente acessado. E, acreditem, ostentava o título de “formador de opinião”. Tinha até, vejam só, uma certa relevância. Bastava insinuar que queria assistir a um show qualquer e, como num passe de mágica, o convite aparecia. Foi assim com Madonna, no Morumbi, em 2008.
E agora, quando tudo parece girar em torno de algoritmos e viralizações de 15 segundos, eu sigo blogando. Num ritmo que só o meu desejo determina. Ultimamente, aliás, escrevo com uma frequência que até me surpreende. Parece que, depois de tantos anos, minha vontade de contar histórias resolveu acordar de novo. Talvez porque precise mais do que nunca de espaços onde a palavra possa se espreguiçar sem pressa. Ou talvez porque, num mundo que fala tanto e diz tão pouco, escrever virou uma forma de resistência.