SOBRE OS MECANISMOS DO ATOR: MEMÓRIA

A memória sempre se manifesta através de uma experiência psicofísica, que pode resgatar tanto o passado quanto o futuro.

A memória trabalha com a ilusão da realidade e, embora não seja realidade, conecta-se sempre com o presente, nunca com o passado. Assim, a memória está no plano do possível, que é o trânsito do teatro.

A concentração leva o ator ao seu objeto mais precioso, a emoção, que é desencadeada pela memória. Um jogo constantemente construído, desconstruído e imediatamente reconstruído a cada instante.

O modus operandi do ator é um ato de memória, e por isso não há criação artística sem ela. É a memória que suporta a criação e o fator que aglutina o trabalho do ator; não como conteúdo de lembranças, mas como ato criativo. É através dela que o ator reorganiza os elementos que ele desenvolveu no seu processo criativo, operacionalizando seu ofício.

Das capacidades humanas, uma das mais importantes para o processo do ator é a da memória, que é a reconstituição do imaginário em toda a sua complexidade. No trabalho da memória, o tempo e o espaço não têm uma sequência lógica, não obedecem a uma cronologia. E, quando o ator resgata sua memória, suas reações emocionais acontecem em tempo real.

É importante que a imaginação seja nutrida e exercitada. Por isso a vivência da memória – afetiva e de fatos vividos – é tão necessária. Quando bem trabalhado, o processo imaginativo desencadeia no ator atmosferas, emoções, e traz ao seu trabalho os elementos que mantêm viva sua atuação. O importante é a fé, a crença no que se construiu em seu imaginário.

A imagem faz conexão entre processos mentais e físicos, e não se apresenta apenas no plano visual. Ela sempre se manifesta através de uma experiência psicofísica, que pode resgatar tanto o passado quanto o futuro.

A memória é também imaginativa, por isso trabalha com possibilidades. Seu conteúdo é o suporte do trabalho do ator e deve ser acreditado como algo vivido e experimentado. Para esse ator, a memória torna visível o invisível, quando seu uso é feito através de seu processo, não de seu conteúdo. É assim que esse intérprete organiza sua experiência recuperando sua trajetória e seu processo de trabalho, e se torna pleno.

É esse mecanismo que deve ser acionado a cada récita, fazendo com que o ator construa cada passo do seu raciocínio que aparece em forma de pensamento e de intuição. E é esse pensamento seu suporte, a maneira que ele encontra para conduzir sua intuição e seu raciocínio, que se fazem sempre presentes através da atuação.

Toda vida psíquica tem como suporte o pensamento, seja no nível da racionalidade pura, seja no nível imaginativo, intuitivo. Assim, reconhecemos a intuição sempre através do pensamento, que é como ela se dá. E, nesse caso, o racional supervisiona, organiza, fazendo com que a imagem emerja, através da intuição.

Não existe outro caminho. Nem mais simples, nem mais curto. Por isso, o teatro é uma experiência sempre realizada num plano sensitivo, sensorial. É etéreo e desafia sempre os limites entre o sagrado e o profano porque transita entre planos do racional e do ilógico com a mesma velocidade que permeia a dimensão da genialidade e da loucura. É lúdico também porque há a identificação das regras e a clareza dos limites a que se permitem os intérpretes e os espectadores.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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2 comentários em “SOBRE OS MECANISMOS DO ATOR: MEMÓRIA

  1. jimais, ivam, lindo. haja memória. as nossas histórias já foram todas contadas, resta a gente puxar por essa maldita memória e escrever de novo, de novo, de novo, até que nossa alma entenda alguma coisa. beijo grandão.

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