Sobre o futuro

Com o tempo vai doer mais, muito mais. É mentira que o tempo cura tudo. O tempo cicatriza, fecha a ferida. Mas a fissura vai te fazer lembrar, todo dia, da fenda que te fez chorar. Acontece que a gente se acostuma ao sofrimento. E isso deixa a gente mais vulnerável. Nunca mais forte. Tolo de quem não reconhece isso.

Mas não é sobre sofrimento este texto. É sobre o tempo. Então, lembrar que o tempo transforma as coisas, a vida, talvez seja o melhor a fazer agora. Tenho me tornado forte nos últimos tempos. Poucas coisas têm me abatido ultimamente. Tenho chorado cada vez menos e isso eu não sei se é bom.

Mas não me apavora nem um pouco pensar que estou envelhecendo. Esses dias, inclusive, quando li que o Chico Buarque vai viver mais tempo na França do que no Brasil, me deu uma esperança. Pensei: eu posso fazer o mesmo, por que não? Então, comecei até a fazer planos. Tracei estratégias, compus trajetos e não é que seria possível? Isso me deu uma lufada de esperança, sabe?

Daí, reinventar a vida, começar novamente, buscar respiros longe de terrenos delimitados poderia ser uma saída. Porque, entendi, vai doer mais, muito mais. E como o tempo não será capaz de arcar com as minhas ruínas, pelo menos que a minha individualidade possa encontrar um caminho diferente pra minha vida, nos últimos tempos, tão programada.

Estou falando de futuro, claro. Um chute no balde nessa altura do campeonato poderia significar tanta coisa. Tenho pensado nisso também. Cada vez mais, inclusive. E não é sobre coragem, não. É sobre futuro mesmo. E não me falta muita coisa. Talvez o pontapé venha no contra-fluxo. Cada vez que vocifero, espero a reação que não chega. Mas, pelo cerco natural das coisas, é bem provável que surja em algum momento, em resposta a algum story do Instagram ou de algum post do Twitter. Não sou tolo, muito menos ingênuo.

Agora eu falei de política. E talvez cheguei ao cerne das minhas divagações dos últimos dias. Não acredito no binarismo. Levamos tanto tempo para, agora, brigarmos por conceitos tão risíveis do que seja arte, por exemplo? É sério que vamos falar do belo, utilizando Aristóteles (+- 350 a.C.) que negou sua abstração e valorizou a proporção, a simetria e a ordem? Em 2019? É sério isso?

Mas já que esse texto não é pra falar de dores, mas de futuros, vou me lembrar do Boris Vian que, lá no pós-segunda guerra, nos ensinou que “Eles quebram o mundo / Em pedacinhos / Eles quebram o mundo / A marteladas / Para mim não faz diferença / Não faz diferença alguma/ Ainda me sobra muito.”

Então vai fazer sentido pensar no Chico e traçar planos para o meu futuro. Ainda que não consiga ir para além do meu paraíso em Parelheiros, viver terá valido a pena.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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