ROTINA | O que nos faz viver

Estou sempre chegando de algum lugar. Agora, por exemplo, acabei de voltar de uma viagem rápida a Paraty, onde participei, hoje pela manhã, de um bate-papo na Casa Sesc Edições sobre o livro “Os Satyros: Teatricidades – Experimentalismo, Arte e Política”, organizado por Marcio Aquiles e publicado pela Edições Sesc.

Estou cansado! Comecei a semana voltando de Portugal no domingo à noite, trazendo comigo uma bagagem física e emocional que ainda parecia pesar na manhã seguinte. O corpo, exausto, clamava por repouso, mas o ritmo da vida urbana, sempre mais acelerado do que a brisa de Funchal, já me puxava de volta ao cotidiano. Na segunda-feira, lá estava eu, de pé, mergulhado na minha labuta, sem tréguas, como quem mal terminou uma maratona e já começa outra.

É curioso como a rotina se organiza de maneira quase militar: segunda e sexta, o despertador implacável toca às 5h15. Como uma dança ensaiada, sei exatamente onde pisar antes mesmo de abrir os olhos. O primeiro paciente chega às 6h, e até o sol parece estar acordando junto comigo. Na terça e na quarta, ganho alguns minutos a mais, acordando às 6h15, enquanto na quinta, meu pequeno oásis semanal, posso me dar ao luxo de me levantar às 7h30.

Diariamente, com exceção das quartas, chego religiosamente à SP Escola de Teatro às 10h. Há, claro, exceções: quando algum paciente desiste da sessão das 9h, chego um pouco antes, como se o acaso me oferecesse um raro presente. Nesses momentos, a rotina me lembra que também pode ser maleável, ainda que por um breve instante.

As noites, ah, as noites… Elas são um desafio à parte. Cansado, sim, mas inquieto. Há sempre uma infinidade de coisas à espera: livros acumulados, séries que quero ver, filmes que me atraem ao cinema, encontro com um amigo para trocar histórias e confidências.

Como nunca durmo antes da meia-noite, faço o possível para encaixar tudo isso no meu dia, ou ao menos tentar. Porque, no fundo, mesmo quando o corpo clama por descanso, a mente ainda quer mais.

E, apesar de todo esse cansaço, eu amo a minha vida. Sempre acreditei que o trabalho, por mais exaustivo que seja, deve trazer prazer, uma espécie de jogo para a alma. Na verdade, tenho sorte: desde cedo, escolhi fazer apenas o que me apaixona.

Esse cansaço é bom, é aquele que preenche de um jeito tão profundo que, ao final do dia, um sorriso inevitavelmente surge. Para mim, o trabalho é isso: um ato de criação, de viver intensamente, de se perder em algo que te consome de forma tão plena que, mesmo esgotado, você quer sempre voltar para mais. Como uma criança que, após um longo dia de brincadeiras, já pensa na próxima aventura. Porque, no fundo, o que nos cansa também é o que nos faz sentir vivos.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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