Como é árduo conversar, abrir espaço para falar dos problemas! Difícil ainda é se deslocar do próprio ponto de vista e tentar enxergar o mundo a partir do olhar do outro. Não se trata de razões mais ou menos fortes ou corretas, mas da flexibilidade necessária para transitar entre argumentos que não são os nossos, mas que nos atravessam e nos desafiam. Falo de mim, não do outro. Falo das brechas, desse lugar instável que não é conhecido nem confortável.
Viver pode parecer tão simples quanto um silêncio ou tão caótico quanto um discurso inflamado. Mas, na verdade, nunca é simples – nem de um jeito nem de outro. Cada ponto de vista é apenas um recorte, um fragmento de mundo. E o complicado surge quando nos agarramos a um desses lados como se fosse absoluto, defendendo-o com fervor, como se fosse evidente demais. Basta olhar para a religião, a política ou o futebol. Ao escolhermos um lado, o outro se torna automaticamente suspeito. É assim que as certezas se transformam em muros e nos impedem de acolher a dúvida.
A psicanálise já nos deu algumas chaves para compreender esse fenômeno. Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1920-1923), mostra como o sujeito, ao se fundir numa massa, perde a singularidade e se submete à lógica gregária. O desejo primitivo de pertencer, de não estar só, conduz o indivíduo a ceder ao rebanho. Nesse processo, desce degraus na escala da civilização. Aquele que, isolado, poderia ser um ser culto e sensível, torna-se bárbaro no coletivo, entregue a instintos, violências, entusiasmos e cegueiras.
Essa reflexão lança luz sobre acontecimentos recentes da nossa história. Muitos de nós vimos amigos, parentes e conhecidos se converterem, quase de um dia para o outro, em seguidores cegos de um líder autoritário, repetindo palavras de ordem como zumbis digitais. Não é apenas uma questão de crença individual. É o efeito devastador da massa, capaz de anestesiar o pensamento crítico, de reduzir a inteligência ao instinto, de deformar afetos em ódio.
Talvez aquela tia que envia correntes de WhatsApp não seja essencialmente intolerante. Talvez esteja apenas aprisionada na bolha que a cerca, engolida pela histeria coletiva. Freud descreveu isso com precisão. Disse que o indivíduo, ao se fundir à massa, experimenta uma diminuição de sua capacidade intelectual e torna-se capaz das maiores crueldades ou dos gestos mais irracionais.
É por isso que os movimentos de massa só funcionam em bolhas. A irracionalidade não é, em geral, fruto da estupidez individual, mas do efeito do coletivo sobre o sujeito. Um movimento descrito por Freud há mais de um século e que ainda hoje explica, com assombrosa clareza, o que nos atravessa como sociedade.
This insightful analysis effectively captures the dangerous shift in behavior when individuals lose their critical thinking in group dynamics. Freuds perspective offers a chillingly relevant explanation for modern societal trends.