REFLEXÃO | Associação dos Artistas Amigos da Praça na pandemia

A Associação dos Artistas Amigos da Praça, a Adaap, é uma organização civil sem fins lucrativos que desenvolve projetos artísticos e pedagógicos desde 2009, sendo os principais deles a SP Escola de Teatro, em São Paulo, e a MT Escola de Teatro, em Mato Grosso.

Desde o início, substituímos a palavra inclusão por acessibilidade. Muito por conta da minha própria história. O menino pobre, filho de um pedreiro analfabeto e de uma costureira que tinha frequentado até a quarta série, nunca precisou ser incluído em nada. Aos 8, 10 anos, tudo o que ele precisava era de acesso a boas escolas e bons livros. Porque inclusão é imperativo e pode levar à exclusão. Já o acesso é composto por duas vias: ao mesmo tempo, eu posso decidir por ir ou vir.

Todas as ações da Adaap são orientadas com foco na formação e profissionalização em artes do palco e na democratização do ensino direcionada, sobretudo, a estudantes em situação de vulnerabilidade social, étnica e de gênero.

Essa diversidade também se aplica ao nosso quadro de funcionários, mais de uma centena, em diferentes modelos de contratação, sendo 80 deles em regime CLT.

Desde o início das atividades da SP Escola de Teatro, por exemplo, temos sete profissionais travestis e transexuais trabalhando conosco, nas mais diferentes funções, tanto pedagógicas e quanto estruturais, contratadas pela CLT, mais seguro saúde, dentre vários benefícios, e um eficiente plano de carreira. Todas ou concluíram ou estão cursando univesidade, exigência para que trabalhem conosco.

Podemos afirmar que a chegada da pandemia foi enfrentada por nossa equipe sem grandes dificuldades, por inúmeros motivos. Desde nossa fundação, sempre trabalhamos exclusivamente com laptops e a ideia do tele trabalho, o que facilitou a migração para o home office.

Desde o início sempre acreditamos na horizontalidade das nossas funções e, embora cada funcionário possuísse sua sala e baia de trabalho, apostamos em fricções de compartilhamento entre as inúmeras funções da nossa instituição.

No campo pedagógico, desenvolvemos desde 2019, em modo digital, um projeto de aulas práticas e teóricas com a Universidade das Artes de Zurique. Essa expertise foi crucial para implementarmos 100% de aulas online no período pandêmico.

Em 2021, inclusive, isso desembocou num projeto internacionalmente pioneiro, em que a Universidade das Artes de Zurique, a Faculdade das Artes de Cingapura, a SP Escola de Teatro e a MT Escola de Teatro realizaram aulas práticas e ao vivo, unindo estudantes de três continentes, com objetivo de pesquisar necropolítica, distopia e a cultura cyberpunk.

Para auxiliar estudantes que não tinham acessibilidade digital integral, nossos conselheiros e coordenadores cederam a eles muitas dezenas de computadores e tablets.

Com o ensino virtual, os cursos de extensão cultural receberam interessados de todos os estados brasileiros – e do exterior, também –, democratizando ainda mais o ensino da instituição.

Em 2020, nossas estatísticas consolidadas apontam que foram ministradas 17.051 horas de aula, e obteve-se 212 mil atendimentos, considerando todas as ações virtuais, como seminários, mostras de estudantes, mesas de discussão, residências artísticas e eventos formativos.

A Adaap não parou um segundo, continuamos trabalhando muito durante a pandemia, com qualidade e eficiência.

Já no início de abril de 2020, realizamos o Quarentena Festival, primeiro festival totalmente virtual envolvendo todas as linguagens artísticas, com participação 21 países, com a participação de grandes nomes da cena brasileira, como: Barbara Paz e Zeca Baleiro, dentre outros.

Em novembro do mesmo ano, foi a vez do Seminário Internacional – Arte, Educação e Democracia, com artistas e pesquisadores de 16 países.

Depois de oito meses de participação como convidados no projeto europeu Alexandria Nova, ligado ao Erasmus, em que nossos estudantes de direção teatral tiveram aulas virtuais com professores das melhores universidades da Alemanha, Dinamarca, Islândia, Finlândia, Lituânia, Suécia e Noruega, fomos convidados a se tornar membro permanente do programa, e passamos a ser o único país de fora da Europa a ter essa condição.

Todo esse sucesso só foi possível graças ao sistema pedagógico horizontal e não hierárquico da Adaap – que já foi exportado para a Suécia e Finlândia, dentre outros – e à colaboração e inventividade dos formadores e estudantes, sempre em constante renovação e abertos aos desafios da contemporaneidade.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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