POLÊMICA | Uma peça sem atores no palco

Vamos começar do começo, com alguns fatos básicos.

Primeiro: nossas duas últimas montagens — As Bruxas de Salém e A Casa de Bernarda Alba — tinham 35 e 25 atores em cena, respectivamente.

Segundo: o nosso espaço na Praça Roosevelt, em São Paulo, comporta no máximo 80 pessoas. Isso contando até quem se aperta no chão.

Terceiro: quase todas as sessões lotam.

Quarto (e talvez o mais importante): a gente acredita em temporadas longas. Não é raro um espetáculo nosso ficar em cartaz por 100, 200 sessões. Fazemos teatro pra todo mundo, não pra cumprir tabela.

Pois bem. Agora que você sabe onde está pisando, vamos ao ponto que parece incomodar tanta gente: a peça sem atores no palco. A tal “aberração” que despertou ódio, julgamento apressado e aquela vontade antiga de destilar frustração em público.

Vi um post sobre o projeto em uma página no Facebook. Entre os comentários, um em especial chamou minha atenção. Vinha de um professor de teatro — “CEO” de uma casa de cultura no interior, olha só o glamour:

“Eu entendo. Faz muito tempo que esse grupo não faz um bom espetáculo.”

Que comentário baixo. Que despejo de recalque. E eu fico pensando: de onde vem essa necessidade de cuspir opinião como quem joga lixo pela janela?

Porque, veja bem: o sujeito não viu a peça. Não leu o texto. Não sabe nada sobre o projeto. Provavelmente nem passou o olho na matéria de jornal que explica, com todas as letras, qual é a proposta de Peça Para Salvar o Mundo — que, aliás, tem atuações, sim. E uma delas, da atriz Mariana Leme, é simplesmente espetacular.

Mas, claro, pra muita gente, escutar já é pedir demais. Opinar sem saber dá menos trabalho.

Porque, no fundo, não se trata de assistir, entender ou dialogar — se trata de performar opinião. De posar de entendido sem o menor esforço. É o ego pedindo aplauso.

Perdemos a interlocução, é verdade. Perdemos a curiosidade, o interesse genuíno. E ficamos assim: cheios de opinião e vazios de experiência.

Pra terminar, destaco: no Satyros, a troca com o público é o que sustenta nosso trabalho. Fazemos 100, 200 sessões porque tem gente que volta, que pergunta, que questiona, que se importa. Não fazemos arte pra alimentar vaidade de artista — muito menos pra agradar ego de quem prefere opinar sem sair de casa. Arte, pra nós, é encontro. E encontro exige presença. A falta de interlocução? Isso, sim, não nos interessa.

Ah — e pra quem ainda está escandalizado com a ideia de uma peça sem atores em cena… fica o convite: venham assistir. A gente explica. Devagar, com paciência. Se quiser, pode até trazer caderninho. A gente desenha também.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1869

Um comentário sobre “POLÊMICA | Uma peça sem atores no palco

  1. Amei o texto. Comunicar-se bem é mais sobre boas perguntas e escuta interessada do que sobre achismo raso da fala. Parabéns pelo seu trabalho. Eu vou assistir a peça!

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