Pessoas Perfeitas é um dos 50 textos mais importantes do teatro nacional, segundo o Portal dos Atores  

por Juliano Bonfim

 

– Passeando por sites e mais sites sobre teatro eu sempre acabava caindo em listas com peças essências para atores; Nomes como Shakespeare, Samuel Beckett, Arthur Miller, Tennessee Williams, Harold Pinter, entre outros, pipocavam na tela, inclusive posso postar essa lista para todos, mas senti falta do que é nosso nessas listas.

Falar que Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e Chico Buarque são grandes nomes do teatro brasileiro é chover no molhado, mas você já ouviu falar de nomes como o de Oduvaldo Vianna Filho ou de Antonio Bivar? Conhece as grandes mulheres da dramaturgia nacional? Já ouviu falar das peças atuais que já se tornaram ícones como “Luís Antônio – Gabriela” e “Pessoas Perfeitas”? Sabia que o Golpe Militar de 64 censurou dezenas de peças que acabaram se tornando símbolos de luta e resistência no Brasil?

Confira nessa lista a primeira parte das 50 peças mais importantes do teatro nacional, um trabalho de pesquisa de dias que não poderia ser feito sem a  ajuda de vocês.

– Obrigado pelas dicas: Vinicius Cassiolato, Alex Lee, Eduardo Sabion, igor Carvalho, Christian Malheiros, Kelly Maciel, Naty Garcia, Patrick Lyan, Débora Gomes, Matheus Pereira, Anderson Tardelli, Yuri Ribeiro, Jonata Santos
Lucas Pacheco, Patrícia Holanda, Carina Ottoni, Giulia Lima, Ton Castro, Jhon Booz e Andressa Dias Maciel

 

Gota D’Água – Chico Buarque e Paulo Pontes – 1975
Dividida em dois atos, A Gota d’Água espelha uma tragédia urbana, banal nos grandes centros, nas favelas do Rio de Janeiro, onde está ambientada; os sets retratam um botequim, local de encontro dos homens e, ao lado, o set das lavadeiras, onde as personagens femininas conversam. No set da oficina, está o velho Egeu, e onde passam alguns amigos.

Retrata as dificuldades vividas por moradores de um conjunto habitacional, a Vila do Meio-Dia, que na verdade são o pano-de-fundo para o drama vivido por Joana e Jasão que, tal como na peça original, larga a mulher para casar-se com Alma, filha do rico Creonte. Sem suportar o abandono, e para vingar-se, Joana mata os dois filhos e suicida-se.

A ideia foi originalmente derivada de um trabalho de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça grega clássica de Eurípedes sobre o mito de Medeia, para a televisão, e à memória do qual foi dedicada.

No teatro permanece a censura. Para liberar a peça, Paulo Pontes teve que negociar alguns cortes. Ainda assim, foi sucesso de público e de crítica. A peça foi premiada com o Prêmio Molière que os autores recusaram em sinal de protesto contra a proibição, no mesmo ano, de obras de outros autores, como “O abajur lilás”, de Plínio Marcos e “Rasga coração”, de Oduvaldo Vianna filho.

 

Dois Perdidos numa noite suja – Plínio Marcos – 1966
O texto é inspirado no conto O terror de Roma do escritor italiano Alberto Moravia. Dois personagens —- Paco e Tonho —- dividem um quarto numa hospedaria barata e durante o dia trabalham de carregadores no mercado. Todas as cenas se passam no quarto durante as noites. As personagens discutem sobre suas vidas, trabalho e perspectivas, mantendo uma relação conflituosa. O tema da marginalidade permeia todo o texto. Tonho se lamenta constantemente por não possuir um par de sapatos decente, fato ao qual atribui sua condição de pobreza. Ele inveja Paco que possui um bom par de sapatos e este, por sua vez, vive a provocar Tonho chamando-o de homossexual ao mesmo tempo que o considera como um parceiro. Paco, que já havia trabalhado como flautista, certa noite teve sua flauta roubada quando estava muito embriagado, entorpecido. No final, na tentativa de melhorar suas vidas, ambos são compelidos à realização de um ato que modificará radicalmente suas vidas.

A peça foi apresentada pela primeira vez no mesmo ano, 1966, no Bar Ponto de Encontro, para uma pequena plateia. Foi adaptada para o cinema duas vezes, sendo a primeira no ano de 1970 sob a direção de Braz Chediak e a mais recente no ano de 2002 sob a direção de José Joffily. É uma das peças mais famosas de Plínio, tendo sido montada inúmeras vezes tanto no Brasil como em outros países.

 

Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã – Antônio Bivar – 1968
A peça narra o cotidiano de duas presidiárias que se tornam grandes amigas e companheiras, por já estarem juntas a algum tempo, e por terem a consciência também de que permanecerão na prisão pelo resto de suas vidas. Ambas passavam o dia trabalhando na confecção de flores de cetim, e durante a noite se revezavam para namorar o carcereiro. Tempos depois, entra a nova carcereira, Azeredo, que passa os dias a atormentar suas vidas.

 

A Beata Maria do Egito – Rachel de Queiroz – 1958
História inspirada na tradição das beatas de Juazeiro do Norte, Ceará, no século 19, e escrita como uma peça de teatro. Na trama, que se passa em 1914, a beata Maria do Egito recruta populares para se juntarem à rebelião que Padre Cícero lidera em Juazeiro. Seu caráter revolucionário faz com que o latifundiário coronel Chico Lopes obrigue o tenente João a prendê-la, o que traz uma grande tensão ao enredo, causada pela iminência de um ataque dos romeiros. A situação é agravada pela atração que o tenente sente pela moça. Ao perceber o interesse da beata, que tenta conseguir a liberdade, o tenente decide mantê-la presa, apesar da ameaça do ataque popular à delegacia. Porém, o cabo Lucas simpatiza com a causa da Beata e entra em conflito com o tenente, enquanto a delegacia está quase sendo invadida. Na situação, o tenente toma a beata como refém e o cabo tenta desarmá-lo, chegando, assim, na decisão entre dois amigos em uma luta de morte. Percebe-se na obra, a perfeição da linguagem, a clareza e realismo dos diálogos, os cenários nordestinos bem desenhados, a pesquisa histórica e a força indiscutível das personagens femininas.

 

Álbum de Família – Nelson Rodrigues – 1945
Retrata uma família que, sob a ótica do locutor (que espelha a da opinião pública,) é perfeitamente normal e feliz, mas que cuja intimidade no lar é caracterizada por uma rede de paixões incestuosas e perversões diversas. Jonas, o patriarca, tem o hábito de trazer garotas de 12 a 16 anos para casa para desvirginá-las e, com isso, extravasar o desejo sexual que sente pela filha caçula, Glória. Conta, para isso, com a ajuda da cunhada Rute, que, apaixonada, faz qualquer coisa por ele. Glória, por outro lado, tem uma adoração pelo pai que, aparentemente, também está além de ser meramente filial.

O primogênito, Guilherme, também se sente atraído pela irmã Glória, tendo chegado ao ponto de se castrar para evitar consumar seu desejo. Já o segundo filho, Edmundo, é perdidamente apaixonado pela mãe, D. Senhorinha, paixão esta que impede que ele consiga consumar seu casamento com Heloísa. D. Senhorinha, por sua vez, nutre um amor proibido pelo terceiro filho, Nonô, que, tendo enlouquecido subitamente há alguns anos, devido a um contato incestuoso com sua mãe, passou a correr nu pelos campos da fazenda onde se passa a história, urrando e gritando constantemente.

A história principal é interrompida regularmente para que sejam mostradas ocasiões, em diferentes épocas, nas quais membros da família são fotografados para um álbum. Tais cenas são acompanhadas pela voz do locutor, que sempre descreve a virtude e a felicidade daquelas pessoas, contradizendo o que é mostrado ao público ao longo de toda a peça.

Foi proibida no ano seguinte à sua publicação, e só liberada para encenação em 1965. Foi inicialmente protagonizada por Luiz Linhares e Vanda Lacerda, em 1967.

 

A Moratória – Jorge Andrade – 1955
O texto enfoca a crise na produção cafeeira nacional gerada pela quebra da Bolsa Valores de Nova York e acompanha a derrocada de uma aristocrática família reduzida subitamente à pobreza. Centralizando o conflito está o velho Quim, um coronel à antiga, que vê os filhos e a mulher minguarem, saudosos dos velhos tempos e sem perspectivas de futuro. Ambientada em dois momentos – os anos de 1929 e 1932, antes e depois do desastre econômico, a estrutura dramatúrgica intercala cenas na casa da fazenda e cenas na pequena casa da cidade, onde a família passa a viver dos modestos ganhos dos filhos, especialmente de Lucília, que se torna costureira. Esse recurso permite ao autor apresentar o verso e o reverso das situações, justificando comportamentos e projetando expectativas. A alternância entre os dois momentos, mostrados simultaneamente, constitui-se no trunfo maior da arquitetura cênica de A Moratória.

 

Pessoa Perfeitas – Ivam Cabral / Rodolfo García Vázquez  – 2014
Longe da simplificação rasteira, as personagens de “Pessoas Perfeitas” sussurram, imperativas, à microrrevolução de sua interioridade afetiva para a observação da nossa vida. Parecem significar cada vez mais a nós mesmos, na medida em que são enganadas entre si, enredadas na dramaturgia da própria performance. Trata-se de pessoas comuns e extraordinárias: não é fácil escrever figuras tão perto da realidade de nossas vidas sem cair num dramalhão de insignificância cênica. “Pessoas Perfeitas” já é um marco na nossa dramaturgia.

 

MAIS AQUI: Portal dos Atores

 

 

 

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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