Domingo chuvoso. Uma imensidão de coisas por fazer. A cidade, do alto da janela, parece ter se recolhido. Como se o mundo inteiro tirasse um breve intervalo para pensar. Há muito substituí as saídas noturnas pelo trabalho. Não por obrigação, mas por escolha. Nada me tranquiliza mais do que produzir conhecimento. Ainda que ele não sirva, à primeira vista, para grandes feitos ou descobertas capazes de corrigir o curso do mundo. Às vezes, a sabedoria mora mesmo no óbvio, no banal. No gesto pequeno que reorganiza a vida de uma esquina.
E é disso que se trata. Da esquina. Da Praça Roosevelt.
Penso nas tantas vezes em que reclamamos da falta de cuidado, da sujeira espalhada na segunda-feira de manhã, quando o palco da cidade amanhece coberto de restos de uma festa que não foi nossa. É sempre mais fácil responsabilizar o poder público, o outro, o que não tem rosto. Mas talvez o erro esteja aí. Esperar que alguém venha nos salvar daquilo que é também nossa responsabilidade.
Tenho caminhado pela Roosevelt e seu entorno há anos. Principalmente, com meus cachorros, vendo o tempo passar, os teatros resistirem, os bares se reinventarem, e o lixo se acumular nas bordas das calçadas. Nos últimos tempos – e agora embalado pela chuva –, tem me ocorrido uma ideia bastante simples. E ingênua também. Mas tão simples que talvez funcione. E se fizéssemos um mutirão?
Na Praça, temos pessoas, laços. E ao menos três associações fortes: Adaap, Asa e Amo. Três siglas, três corações batendo no mesmo endereço. Poderíamos reunir recursos, buscar apoio do comércio local, dialogar com vereadores – quem sabe este texto não chegue aos olhos de algum deles? – e criar uma contribuição simbólica para a zeladoria do nosso espaço. Três profissionais contratados, devidamente remunerados, cuidando da limpeza e da dignidade de um território que é, ao mesmo tempo, nosso chão e nosso espelho.
Até fiz as contas: 2,5 mil por mês, por pessoa. Três pessoas, encargos, materiais. No máximo 170 mil reais por ano. Um valor alto, sim, mas não impossível. O impossível é continuar naturalizando o abandono.
Outras cidades já mostraram que é possível. Em Lisboa, a iniciativa Lisboa Limpa uniu moradores e artistas na revitalização de praças históricas, transformando o cuidado em celebração. Em Medellín, na Colômbia, o programa Buen Comienzo fez das comunidades os agentes da própria limpeza e segurança, devolvendo o orgulho ao espaço público. Em Paris, associações de bairro adotam jardins, canteiros e calçadas, num gesto que é tanto estético quanto político. Afinal, cuidar do lugar onde se pisa é também cuidar de si.
Por que não aqui?
A Roosevelt é mais do que uma praça. É uma metáfora. É o retrato de um Brasil que resiste e inventa, mas que também se cansa. E talvez esteja na hora de trocarmos a queixa pelo gesto, o discurso pela vassoura. Talvez seja hora de transformar a indignação em mutirão. E a utopia em planilha.
Imagino a praça limpa, varrida por mãos que a amam. Imagino as calçadas lavadas após a chuva, o lixo recolhido, os bancos respirando. Imagino a sensação de recomeço que vem depois de um domingo assim: chuvoso, produtivo, fértil de ideias.
Talvez o mundo mude quando entendermos que reclamar é apenas o primeiro ato. E que o segundo, o mais importante, é levantar. E agir. Porque o trabalho, afinal, é também uma forma de oração. E cuidar da Praça é cuidar daquilo que em nós ainda acredita que vale a pena permanecer.
