PELAS MÃOS DE DEUS

Entre um vôo e outro, a minha espera em Heathrow seria de intermináveis oito horas. O que fazer, então? Caminhar pelo elegante aeroporto e morrer de vontades.

Março de 1994. Londres, Aeroporto de Heathrow. Estou voltando para o Brasil com sonhos. Muitos sonhos. Mas havia problemas também. Muitos. Naquele momento eu deixava Portugal, onde Os Satyros estavam estabelecidos há dois anos e vivendo, digamos assim, sem muitas perspectivas.

Vindo de Lisboa, com destino a Curitiba, estava ali à espera de uma conexão para o Rio de Janeiro. Sim, era um trajeto complicado. No Rio, teria que ir do Galeão à rodoviária e seguir de ônibus até Curitiba. Não tinha dinheiro para fazer este trecho de avião e o trajeto havia sido estabelecido pelo preço do bilhete, comprado numa promoção. Enfim, uma viagem interminável.

Entre um vôo e outro, a minha espera em Heathrow seria de intermináveis oito horas. O que fazer, então? Caminhar pelo elegante aeroporto e morrer de vontades.

Depois de horas perambulando pelas diversas lojas do aeroporto, paro numa livraria. Começo a folhear revistas e resolvo fazer uma pequena estravagância. Escolho uma Time Out.

A Time Out, na época, era produzida em papel jornal. Aquela edição, especialmente, era imensa. Fui ao caixa. Peguei mais um chocolate. Paguei. Saí da livraria e me dirigi ao embarque.

No avião, vou folhear a revista. Encontro um envelope dentro dela. Começo a tremer. Há dinheiro nele: quase duas mil libras, mais de mil dólares e várias notas de dongues, o dinheiro do Vietnã.

Fui do Rio para Curitiba de avião. Daquele momento em diante, a minha relação com Deus seria outra. E a minha vida, reinventada.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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