“Pão de Açúcar” é o segundo livro do lisboeta Afonso Reis Cabral, lançado este ano pela portuguesa D. Quixote, e que recebeu o Prêmio José Saramago 2019. Vi uma entrevista do autor na televisão de um hotel, na semana passada em Lisboa, e quis conhecer a obra.
O livro conta a história da transexual brasileira Gisberta, que foi assassinada na cidade do Porto em 2006 por vários adolescentes, que atiraram seu corpo num poço, depois de torturá-la. O caso ficou muito famoso em Portugal e, também, aqui no Brasil. Gisberta, usuária de drogas e que naquele momento vivia em situação de rua, era portadora do vírus do HIV e estava muito doente.
Apesar de partir de uma história verídica, Afonso Reis Cabral constrói uma obra de ficção eletrizante e muito curiosa. Dono de uma maturidade literária que impressiona, o autor, que tem apenas 29 anos, concebe personagens densos e espantosos, em uma narrativa surpreendente.
A história toda gira em torno de três rapazes, que se conhecem em um internato: Rafa, que adora mecânica e tem pouca escolaridade; o brutamontes Nelson e o sensível Samuel, extremamente antissocial.
O título do livro remete ao cenário principal da história, um prédio abandonado, onde deveria ter recebido uma loja do supermercado homônimo e que serve de moradia para os sem teto. É ali que, em condições miseráveis, vive Gisberta.
Rafa conhece Gisberta e, num primeiro momento, fica impressionado com sua aparência e com o total desamparo em que vive. Começa uma amizade entre eles e o garoto, atraído por ela, vai lhe trazer comida e água. O dois vão se tornar íntimos e a transexual vai contar-lhe um segredo que nunca compartilhou antes com ninguém: é portadora do vírus do HIV. A partir deste momento, a atração de Rafa vai se transformar em repulsa e ele acaba contando o segredo para seus amigos que não irão perdoá-la. Começa aí o suplício de Gisberta, que irá levá-la à morte.
“Pão de Açúcar” é um livro que fala de amizade e desilusão, atravessado por uma crueldade raramente vista na literatura. Afonso Reis Cabral executa uma radiografia da adolescência, transformando os meninos assassinos em cidadãos que sentem o mesmo frio e a mesma fome de sua vítima, mas que resolvem tudo através do ódio e da total falta de empatia. Vale a leitura.