por Nanda Rovere
Os Satyros são inquietos na medida em que estão sempre em busca de desafios. São corajosos e estão sempre buscando textos e histórias que transformem o espectador, ou pelo menos coloquem nas pessoas indagações sobre a vida, sobre as nossas ações, sobre os relacionamentos e sobre o papel da arte nos dias atuais.
Cabaret Stravaganza não foge dessas características acima. O texto parte de pesquisas sobre a tecnologia e a sua intervenção no cotidiano. São diversas histórias que traçam um panorama de pessoas que amam, se alegram e sofrem.
A encenação, com direção de Rodolfo Garcia Vasquez, baseia-se no teatro expandido, que busca compreender a interferência do desenvolvimento tecnológico na vida das pessoas e na arte.
Propõe uma pertinente reflexão sobre o ser humano e como é possível usar os aparatos da tecnologia de modo positivo e que contribua para a nossa evolução.
A apresentação começa com os atores conversando com o público e depois dá lugar a momentos em que o humor não deixa de estar presente, mas a reflexão, a neurose, as dúvidas e angústias permeiam os textos e as ações dos personagens.
A estética do espetáculo se baseia nas “extravaganzas” vitorianas e nos cabarés alemães dos anos 20. Os figurinos refletem essa característica. A iluminação é um dos pontos altos, com projeções e outras que a tecnologia possibilita. O branco domina o cenário, formado por cortinas que servem para dinamizar as cenas e colocam mais ainda em evidência a iluminação e os aparatos tecnológicos utilizados em cena.
Ficção e realidade se misturam. A peça foi criada a partir de experiências dos atores e informações contidas na Internet, as quais nem sempre são críveis. O limite entre o verdadeiro e o falso, o sonho e a realidade é tênue.
A cada dia o mundo está mais tecnológico. Viver desconectado é complicado. Ficamos um dia sem acessar a Internet e parece que não fazemos parte do mundo. A Internet, as redes sociais e os e-mails facilitam a nossa vida. Não precisamos ir até as pessoas para conversarmos, ou mesmo resolvermos questões diárias. Podemos, através das redes sociais, nos comunicar com pessoas de todo o mundo, rever amigos com os quais por alguma razão perdemos o contato.
Ao mesmo tempo, a tecnologia distancia as pessoas (muitas vezes faz falta o abraço amigo, o contato ¨olho no olho¨), ocasiona muitas dependências e apresenta falsas realidades, já que no mundo virtual podemos dizer que somos o que não somos; podemos passar por outra pessoa e assim mascararmos frustrações que a vida nos reserva.
A tecnologia é o centro da montagem e os atores a utilizam para a encenação com precisão. É bonito ver a entrega dos atores, sem pudores e com garra para expor detalhes de suas vidas em cena. A interpretação está homogênea.
Como em todo cabaret, há inúmeras cenas e cada uma toca de modo diferente cada espectador. Assim como num show de variedades, algumas cenas chamam mais atenção do que outras, mas todas elas, no entanto, apresentam detalhes que colocam em xeque as loucuras desejos e indagações humanas.
As cenas fragmentadas também nos remetem ao mundo moderno, à excessiva informação que recebemos e dificilmente conseguimos captar tudo que chega até nós na sua totalidade.
Durante a temporada os espectadores podem fazer doações para o projeto Lou-Leo. O transexual Léo Moreira Sá, que assina a iluminação ao lado de Rodolfo Garcia Vasquez, fará com o dinheiro arrecadado, uma mastectomia (remoção das mamas), para assim se adaptar fisicamente à sua nova identidade sexual. A internet é meio pelo qual é possível conhecer os resultados do projeto em detalhes.
Cabaret Stravaganza estreou no ano passado e continua em cartaz na capital paulista até 27 de Maio
Fonte: Pop 4, 15/03/2012