O último olhar

Eu fiquei pensando. A gente nunca sabe quando tudo acaba. Mas se nos dessem a oportunidade de olhar pela última vez alguma coisa que nos é muito cara, como seria?

Por exemplo, se eu pudesse ter sabido que, naquela manhã quando deixei a Sofia no hospital veterinário para um exame, seria o nosso último encontro… como eu teria olhado para ela? O que eu teria feito? Mudou tudo em minha vida depois de sua partida.

A Sofia não foi apenas um gato que dividiu comigo sua vida inteira de quase 14 anos. Não. Ela demarcou um período da minha vida, cada dia nesse tempo todo. Sem ela, nunca mais consegui entrar em um supermercado da mesma maneira que antes, por exemplo.

Ao fazer as compras da semana, eu sempre incluía latas de atum light pra ela, que oferecia em momentos especiais. Hoje, evito olhar a prateleira de atum e nunca mais consegui fazer as minhas compras com o mesmo amor.

Nunca mais, também, chegar em casa foi como antes, quando Sofia corria para o móvel da televisão no meu quarto e começava a arranhá-lo para me dizer como era grande o seu amor por mim.

Mas se eu, naquele sábado de manhã, quando acordamos esperançosos para mais um exame, soubesse que, ao deixá-la no hospital, nunca mais a veria? Porque quando me ligaram dizendo que ela havia morrido eu não quis mais vê-la. Não levaria uma imagem triste dela. Não mesmo. Sofia era uma princesa, era linda e cheirosa e não combinava com a morte.

Mas falava do último olhar, o derradeiro. Como teria sido se me dessem a chance de contemplar aquele amor pela última vez? Ou, se soubesse que o pôr do sol de hoje seria o último – se tivesse certeza, certeza mesmo –, como teria olhado pra ele?

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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