O TEXTO DRAMATÚRGICO A PARTIR DO UNIVERSO DO BRÁS

Unidade Brás da SP Escola de Teatro - Centro de Formação das Artes do Palco

Gosto de pensar que o teatro é o lugar da alteridade. É onde público e atores se colocam na direção e no lugar do outro e quando ideias e sensações se cruzam para encontrar, nessa alteração, novos rumos, novas direções.

O teatro, local de troca, acontece quando se alteram papéis. Mas o teatro que acredito ocorre mesmo quando o artista devolve ao seu público a possibilidade da dúvida.

Não importa se esta proposição vem primeiro de um texto dramatúrgico; ou se surgiu da direção, através de uma proposta de encenação; ou, ainda, se foi formalizada pela elaboração de um ator. Por ser espaço do jogo, do lúdico, o teatro é dialético sempre.

Talvez por esse motivo, essa manifestação seja, das artes, o único reduto onde um artista não pode atuar sozinho. O artista plástico tem esta possibilidade, por exemplo. Van Gogh, que viveu no século XIX, produziu inúmeras obras que só foram “descobertas” após sua morte. Na música, idem. Há vários casos de compositores que criaram seus trabalhos solitariamente e que tiveram seus reconhecimentos post mortem.

O teatro, também pela questão da fisicalidade, mas, e principalmente, porque é caracterizado por ser um fenômeno, só ocorre dentro de uma posição lúdica. Uma convenção, portanto, onde o espectador sabe que o intérprete “não é”; o intérprete finge “ser”; e o espectador, por sua vez, “finge que acredita”. Somente neste movimento de faz-de-conta é que o encontro pode se estabelecer.

Em sua obra “O Que É Teatro”, da coleção Primeiros Passos, Fernando Peixoto, a meu ver, é quem melhor define o que é teatro. Irá dizer: “Um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa”.

Encontramos aqui, talvez, o ponto mais importante de nossa reflexão. Ao pensar na relação do espaço, chegamos na questão da geografia. Embora uma ciência, é no fenômeno que ela se dá. Porque a geografia é uma ciência que estuda as superfícies e sua distribuição espacial de fenômenos. Ao refletir sobre a relação do homem e seu entorno, tem como objetivo, portanto, conhecer e planejar o espaço.

Não é nada diferente do que o teatro, num âmbito geral, propõe. No entanto, é no cruzamento das ideias de Fernando Peixoto com Milton Santos que eu me sinto mais confortável. Santos, geógrafo, que se preocupou com a questão da territorialidade, nos ensina que o importante é pertencer àquilo que nos pertence. Mas, ainda segundo Santos, a territorialidade só pode ser atinente a um espaço vivido. A identidade projetada a um espaço, portanto.

Brecht, em toda a sua obra, vai buscar a discussão dos acontecimentos sociais dentro de um processo dialético. Para ele, na pesquisa da desalienação do homem, o importante é o reconhecimento histórico e social. E por que não territorial?

Desta forma, ao pensarmos o Módulo Verde, que tem como material de trabalho o Realismo e, neste semestre em especial, a obra de Luís Alberto de Abreu, quisemos devolver não somente aos aprendizes da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, mas também à coordenação pedagógica e às direções de nossa Instituição, a indagação sobre a questão da territorialidade, dos arredores, por conseguinte.

Foi assim que, ao nos apropriarmos da obra de Abreu, alcançamos “Bella Ciao”, texto escrito em 1982 e que retrata o cotidiano de uma família de anarquistas italianos e suas lutas políticas. Assim, a proposição pedagógica que mais nos interessou no primeiro momento –  tomando as provocações de Santos e toda sua questão da territorialidade – foi pensar no espaço. Neste caso, especificamente, trabalhar o espaço era, sim, pensá-lo geograficamente. E refletir sobre a geografia foi pensar o bairro do Brás, onde nossa Escola mantém uma de suas unidades.

Nunca um processo de trabalho foi tão prazeroso. Trazer para a nossa realidade as inquietações de Abreu, pensando no teatro como o local da alteridade e da troca, fez com que os experimentos deste Módulo fossem verdadeiras preciosidades. Ainda estou falando no terreno das ideias. Não quero – e nem seria producente, pedagogicamente falando – lançar um olhar crítico sobre os projetos apresentados em nossa Escola no último sábado (31). Mas que foi especialmente lindo ver surgir, através da dramaturgia e direção – os propositores deste semestre – ideias tão perturbadoras, isso foi.

Que venham os próximos!

Fonte: Portal da SP Escola de Teatro, 2 de abril de 2012

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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