O Teatro Brasileiro Diante da Condição Nacional

O teatro é um fato social e só pode ser concebido dentro de um contexto social. Portanto, as formas estéticas do teatro contemporâneo ocorrem dentro de um determinado universo social singular que difere, em vários aspectos, daquele que a sociedade brasileira experimentava em outros momentos sociais.

Podemos afirmar que vivemos em um país onde as desigualdades sociais determinam acessos diferenciados aos bens econômicos, culturais e educacionais. O teatro brasileiro se manifesta em suas variadas vertentes, diante das diferenças de classe.

Essa sociedade tão complexa e dividida vê surgir formas de teatro absolutamente diversas, que se dirigem a grupos específicos da população. O teatro é uma das formas artísticas de relação mais imediata com o real. O contato direto com o público, o fato de ser uma arte de produção coletiva e sua multidisciplinaridade fazem do teatro uma arte absolutamente permeável e de pulsação imediata de relação com a sociedade, através do público.

Se, historicamente, podemos associar a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC (anos 1940-50) à crescente urbanização e ao surgimento de uma classe urbana abastada em São Paulo, o surgimento de uma classe média jovem instruída foi fundamental para manifestações artísticas como os grupos Oficina (década de 1960).

O teatro dirigido ao público jovem e contestador de classe média marcou a trajetória de grupos como o Arena e o Oficina, que trouxeram para o palco as preocupações típicas desse segmento social e exibiram a relação de profunda identidade entre esses grupos e seus públicos.

No entanto, essa parcela da população era proporcionalmente pequena no quadro de atraso econômico e social que marca a estrutura social do país. Enquanto o Oficina e o Arena realizavam espetáculos contestadores dirigidos ao seu público, mais de 70% da população vivia ainda no campo e a taxa de analfabetismo e exclusão social beirava os 90% da sociedade civil brasileira, na década de 1960.

A Especificidade da Sociedade Brasileira

Por outro lado, as características específicas da sociedade brasileira, em suas desigualdades, incongruências e exclusões sociais, determinam abordagens estéticas e temas próprios, distantes de algumas das principais questões, levantadas pela pós-modernidade, de europeus ocidentais e americanos.

Nesse sentido, as categorias de reflexão e percepção estética utilizadas pela crítica teatral dos países mais avançados são incapazes de nos ajudar a compreender o teatro produzido em nosso país hoje. Essas categorias, que podem eventualmente ser adequadas para abarcar os fenômenos sociais ocorridos nos países desenvolvidos, mostram-se precárias para explicar diversas manifestações teatrais específicas de uma sociedade singular como a nossa.

Nesse sentido, a experiência do teatro de Gerald Thomas contribui simultaneamente para nos levar a pesquisas estéticas das mais sintonizadas com a produção dos grandes centros desenvolvidos e, por outro lado, evidenciar o profundo abismo que separa a maior parte da população brasileira desse tipo de linguagem.

O próprio termo “pós-modernidade” foi cunhado em sociedades nas quais o capitalismo pós-industrial foi integralmente implantado e a globalização e a afluência social possibilitaram a estabilização de fortes classes médias e amparo social pleno, ainda que sofrendo profundas transformações em anos mais recentes.

Portanto, pensar em pós-modernidade como forma de conceber o panorama cultural e a estrutura social não chega a ser satisfatório para fornecer explicações a todas as precárias condições sobre as quais se realiza o teatro no Brasil.

O desenvolvimento histórico, a estrutura de classes e as idiossincrasias da sociedade brasileira determinam o teatro nacional. Da mesma forma, o teatro dialeticamente tornou-se agente desse ambiente social, determinando o desenvolvimento cultural e artístico da sociedade.

Essas características próprias da sociedade brasileira vão ser fundamentais para a compreensão de várias manifestações teatrais do teatro brasileiro contemporâneo, em especial em alguns projetos de teatro de grupo do cenário paulista.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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2 comentários em “O Teatro Brasileiro Diante da Condição Nacional

  1. Sim, muito importante não dissociar o teatro de seu aspecto sociológico. O Brasil é um país muito grande… e desigual, portanto, cada análise deve ser localizada. Os desenvolvimentos regionais se dão não apenas em ritmo diferente como, muitas vezes, de formas diferentes também. O crescimento dos festivais, os editais de circulação e as trocas entre grupos de regiões diferentes possibilitam um maior diálogo, mas cada local ainda possui condições de produção diferentes. Assim como não podemos comparar São Paulo a Paris, não podemos também comparar São Paulo a Salvador.
    E lanço a pergunta: temos mesmo que seguir os “grandes centros desenvolvidos”?
    Tô gostando dessas suas reflexões.

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