Aconteceu há exatos quatro anos. Vindo do supermercado, peguei um ônibus no terminal Varginha, zona Sul, em direção à minha casa, em Parelheiros. Éramos poucos passageiros. Alguns minutos depois, quando o ônibus entra na Estrada Jaceguava, somos abordados por três policiais que entram no interior do veículo com cara de poucos amigos. Somos uns 15 passageiros, não mais que isso. Entre nós, um jovem negro, mais ou menos 20 anos. Eles vão direto ao garoto, aos berros:
— Documentos!
O moço começa a balbuciar alguma coisa e fica quase petrificado, olhando incrédulo para os policiais. Estou sentado exatamente atrás dele que, na tentativa de abrir, deixa cair sua mochila. Eu me apresso a ajudá-lo e sou repreendido pelo policial que grita:
— Não toca nisso!
Fico sem ação, um pouco revoltado pelo tom agressivo do guarda. O garoto não consegue se mover, está realmente estático. Após um tempo, tenta apanhar a mochila, mas está desorientado. Nisso, um outro policial pega a mochila e joga no colo do rapaz e, aos berros, exige que ele se apresse em abri-la.
O garoto, desajeitadamente, abre a mochila, com vários cadernos e livros, e seus objetos vão caindo pelo corredor. Nada, absolutamente nada de estranho ali. Então, com tudo caído no chão — celular, moedas, chaves, canetas — eu me levanto e começo a ajudá-lo a recolher seus objetos. Um dos policiais me repreende mais uma vez. Mas eu estou revoltado e não dou atenção a ele, que me ameaça:
— Quer ser enquadrado também?
Eu estou agachado no corredor do lotação e começo a chorar, não consigo responder nada. Também tremo, mas continuo a apanhar os objetos do garoto. Uma senhora vem me ajudar, enquanto provoca os policiais:
— Enquadra nós dois, então.
— Vamos ter que levar os três, ameaça um dos policiais.
Neste momento, uma outra mulher que está com seu filho no colo se junta a nós:
— Vai ter que levar os cinco!
Depois disso, os policiais dão uma lição de moral em todos nós, dizendo que as coisas estão erradas porque pessoas como nós atrapalham seus trabalhos e são coniventes com a marginalidade. Os três homens deixam o ônibus esbravejando.
No trajeto, eu e as duas mulheres ficamos sabendo mais do garoto. Seu nome é Gilberto, estuda enfermagem e trabalha em um hospital. Sim, e antes que me perguntem, nos mostrou credenciais da faculdade e do hospital. Detalhe importante: os policiais não pediram os documentos de mais ninguém daquele ônibus…