MEMÓRIAS: A MÁFIA ITALIANA E CORRENDO DA POLÍCIA EM LONDRES EM 1993

RODOLFO GARCÍA VÁZQUEZ – No meio da nossa temporada em Avignon surgiu um convite para a gente se apresentar em um festival italiano. Iríamos do sul da França para esse festival na Itália, antes de nos apresentarmos em Edimburgo. Mas era a época da operação Mãos Limpas na Itália, e o presidente, diretor, patrocinador do  festival, não sei quem, foi preso. Descobriram que era um mafioso e o festival foi cancelado. Então tivemos que ficar em Londres, por duas ou três semanas, antes de irmos para Edimburgo…

IVAM CABRAL – …Antes de Edimburgo nós passamos por Cambridge.

RGV – O convite para ir a Cambridge já havia sido feito antes, mas ficamos em Londres por um tempo antes de nos apresentarmos lá, não foi?

IC – Sim.

RGV – Ficamos em Londres por causa dessa viagem.

IC – Isso mesmo. Fomos pra Cambridge, nos apresentamos, voltamos a Londres. O convite de Cambridge surgiu depois que foi divulgada a programação de Edimburgo, o teatro em que a gente se apresentaria lá, o Theatre Workshop, deu um destaque para nós. Era muito exótico naquele momento uma companhia brasileira de teatro se apresentar na Grã-Bretanha. Então, quando o pessoal de um festival de Cambridge soube que nós iríamos a Edimburgo, se apressaram em nos convidar para representarmos lá também.

RGV – Foi no Kirin Arts Festival, de Cambridge. Mas eles ficaram muito assustados conosco, muito mesmo. Sentiram medo.

IC – Sim. Era um festival pequeno, ainda que internacional, com grupos de vários países. E o problema é que nós estávamos ali apresentando uma obra “pornográfica”, “A Filosofia na Alcova”. Para eles, era pesada demais. Acho que jamais esquecerão dessa nossa passagem pela cidade. Fizemos duas apresentações e tivemos muito, muito público. Mas as pessoas ficavam muito chocadas com o que viam. Assim, retornamos pra Londres, onde ficamos mais umas semanas, enquanto aguardávamos as apresentações em Edimburgo. Enquanto isso, nossos atores trabalhavam na rua, no Covent Garden, e corriam da polícia, porque era proibido se apresentar nas ruas sem licença. Subvertíamos a ordem das coisas. Imagina um bando de brasileiros, muitos sem falar inglês, se apresentando nas ruas. Nesse momento eu já tinha desistido de minhas pretensões de ser um ator de rua, mas acompanhava meus colegas e dava uma força. E acabou dando certo. Era proibido mas meus colegas driblaram a proibição. Eles precisavam do dinheiro que ganhavam assim, pra sobrevivência, então não podiam escolher, tinham que se arriscar e trabalhar.

 Fonte: “Cia. de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral”, de Alberto Guzik, Coleção Aplauso, Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo, 2006

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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