Hoje, sou todo gratidão

Primeira foto com Rodolfo García, em 1989

Eu passei a minha vida toda dizendo que eu estava em construção. Sempre muito crítico comigo mesmo, quando avaliava meus trabalhos no teatro, desde sempre, dizia que eu seria um grande artista aos 60 anos. Disse isso muitas, muitas vezes. Nos últimos tempos, e porque estou me aproximando da previsão da juventude, parei com a minha profecia maior. Começaria a ficar ridículo, tenho consciência disso.

Mas há algo que eu me orgulho, de verdade, em mim. Sou coerente. Nunca mudei nenhuma vírgula sobre meu modo de estar no mundo e na arte. Quando, lá atrás, estudante ainda, pensava no futuro, meus planos foram cumpridos exatamente como imaginei. Eu seria um ator de teatro, criaria uma companhia de teatro importante pro teatro brasileiro e viajaria o mundo com o meu trabalho. O que me salvaguarda é que tenho tudo isso publicado, ainda bem! Disse isso em entrevistas, várias, e falei a respeito no livro do Alberto Guzik sobre Os Satyros, há mais de 10 anos.

Mas também afirmei, agora mais recentemente, que cheguei muito mais longe do que teria imaginado. Sabe Deus porquê – e com toda modéstia do mundo, e agradecimento também –, acabei ganhando todos os prêmios que eu poderia ter ganhado no teatro. Todos! E fora dele também. Quando eu imaginaria, por exemplo, que seria condecorado comendador, que receberia o Título Cidadão Paulistano, que seria designado para estar à frente da criação do maior projeto de formação das artes do palco da América Latina, que seria convidado para escrever artigos para publicações científicas importantes da Europa ou que viraria nome de sala de teatro?

Kaspar, 2003

Não. Nem em meus sonhos mais ambiciosos isso aconteceu. De repente a vida foi me levando ao encontro do que havia planejado lá atrás e, quando eu vi, essas coisas todas meio que desabrocharam diante de mim.

Sim. O trabalho me levou a tudo isso. Fui plantando cada uma dessas sementes e não serei hipócrita em afirmar que foi tranquilo. Foi difícil. Tem sido muito difícil.

Mas estar em um mundo ao lado de pessoas que pensam como você, que agem como você, que ambicionam o mesmo mundo que você, faz muita diferença. Estou falando agora dos meus companheiros do Satyros, da SP Escola de Teatro e de todos os projetos que, ao longo desses anos, estiveram do meu lado.

Rodolfo García Vázquez eu conheci há trinta anos. Trinta anos! É muito tempo. E a maioria dos meus companheiros da SP Escola de Teatro que conheci, também, há muito, muito tempo já. No mínimo 15, 20 anos atrás.

Para relações tão duradouras é necessária muita dedicação também. Não se é possível conviver, durante tanto tempo, quando não existe empatia, sobretudo. E talvez este seja o meu grande segredo. Estamos juntos na alegria e também na tristeza e isso faz toda a diferença. Tem de haver cumplicidade e muito, muito respeito. Sobretudo. E isso eu acho que consegui. Dar e imprimir respeitos (esse plural agora é proposital).

Hoje viro nome de sala de teatro. E tanta coisa me vem à mente. Conforme os dias foram se aproximando, fui fazendo um balanço da minha trajetória. Um exercício complicado porque, como já disse aqui, foi bem difícil. Aliás, tem sido muito difícil desde sempre. Convivo, diretamente, com muita gente. Muita gente mesmo! Só pra dar um exemplo, na SP Escola de Teatro, pra começar a montar uma pequena estimativa, são centenas de colaboradores, mais milhares de estudantes. Como devem imaginar, não é nada fácil estar no topo de tantas decisões e escolhas.

O Grupo Caixa Preta, que construiu a sala Ivam Cabral, em Registro, terá pra sempre o meu maior respeito e carinho. Como chegaram ao meu nome? Por que fizeram isso? Em que momento tomaram essa decisão?

Pessoas Perfeitas, 2014

Imagino que são questões que tenham passado na cabeça de qualquer um que soube da notícia. Eu realmente não tenho respostas pra nenhuma dessas perguntas. Entre nós, certamente, o mesmo amor, respeito e devoção ao teatro. E, claro, o tipo de estrutura deles, que é parecida com a estrutura que eu trabalho no Satyros e que tenho imprimido na SP Escola de Teatro: o olhar em horizontalidade, o trabalho dividido em responsabilidades iguais e o respeito sobretudo ao diferente.

Era pra ser um texto emotivo e emocionado, onde eu começaria dizendo que o menino, quinto filho de um pedreiro analfabeto e de uma costureira que tiveram seis filhos, lá da pequenina Ribeirão Claro, no interior do Paraná, teria conquistado algo realmente grande em sua trajetória. Mas há tanta, tanta luta nessa história toda que o melhor mesmo é agradecer. Sobretudo a quem, ao longo desse tempo todo, tem sido fundamental em minha vida.

Ontem, aqui no blog, eu falava da maravilha que é ter a confiança dos conselheiros da Adaap, a Associação dos Artistas Amigos da Praça, que gere o projeto da SP Escola de Teatro. São eles que me avalizam. São os coordenadores da escola que me avalizam. São os artistas que trabalham no Satyros quem me avalizam. São os funcionários da SP Escola de Teatro que me avalizam. São os estudantes da SP Escola de Teatro e o público do Satyros que me avalizam.

E tem a família da gente também, né? Esta, sim, protagonista total da minha vida. Neste quesito, se teve uma coisa que recebi abençoada desde o início, foram eles, meus pais e meus irmãos, tão especiais! Nem teria palavras aqui pra dizer o quanto sou grato e feliz por tê-los comigo nesse mundão de Deus. Foram tantos, mas tantos abraços!  E mesmo que alguns deles já não façam parte do mundo físico – meus pais e um dos meus irmãos já não estão mais aqui comigo –, a sensação é de que nunca nos separamos, nunca! Eu convivo diariamente com eles em minha vida. Obrigado, vocês são meus amores incondicionais.

E tem a minha família de quatro patas também. Sem os meus fiéis e dedicados Chico e Cacilda, e Blangis e João (impossível não me lembrar agora da Antonia, Marcolina e Sofia, quanta saudade!), eu sei que faltaria muita coisa em minha vida e meu mundo estaria incompleto. Sou grato por vocês também, pra sempre!

Por trás desta sala Ivam Cabral, em Registro e a partir de agora, deverão ter todos esses nomes e indivíduos. Impossível nominá-los porque, como disse, são muitos milhares. Sonhadores, como eu. Este sonho, são todas essas pessoas aí, que acreditaram em mim.

Aprendi desde cedo e não me canso de dizer: sozinho eu não sou ninguém; com um sonho, eu mudo o mundo.

Hoje, eu sou todo gratidão.

 

 

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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5 comentários em “Hoje, sou todo gratidão

  1. Meu maior orgulho é vc , muito lindo td que li vc é um verdadeiro imortal e é merecido pois vc já nasceu para brilhar , igual àquela frase feita…Deus falou desça e arrasa meu querido e é isto que esta acontecendo em sua vida…..arrasaaaa👏👏👏👏👏🥰🥰🥰🥰❤❤❤❤🙏🙏🙏🙏🙏🙏te amo para sempre meu irmãozinho.❤❤❤….sua sempre fa número 1 ..Vera Lúcia

  2. Você merece tanto, mais tanto, que deveria ter um “Dia Ivam Cabral”. Já disse outras vezes do quanto você é importante pra gente, pra esse país, pra nossa cultura, e o quanto você influência pessoas que querem fazer nem que seja um pouquinho de tudo o que você faz. Um dos melhores atores e autores de nossa geração, comendador, cidadão Paulistano, cidadão do mundo, muito merecida a homenagem desta sala, que seguramente abrigará espetáculos que honram esse nome. Obrigado, Ivam. Obrigado Caixa Preta.

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