CRÍTICA | Grupo Satyros potencializa registros e linguagens ao mergulhar no universo online

por Bruno Cavalcanti

Grupo que há mais de 30 anos vem desafinando o coro dos contentes do teatro tupiniquim ao desenvolver diálogo entre delicadezas poéticas e herméticas e os signos do gosto popular, Os Satyros dão passo importante em sua trajetória artística ao pôr o bloco na rua virtual com A Arte de Encarar o Medo, experimento cênico online desenvolvido em série de ensaios abertos antes de estrear oficialmente na noite de ontem, 13 de junho, para plateia massiva e internacional através da plataforma de reuniões remotas Zoom.

A experiência de fusão entre o teatro e a tecnologia não é novidade na história da companhia fundada (e ainda hoje encabeçada) por Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral em 1989, contudo é a primeira vez que o grupo mergulha fundo no uso destas ferramentas que, graças a pandemia do novo Coronavírus, têm dado sobrevida à arte do teatro, impedido de estar de corpo presente e palcos com a presença da plateia.

Em A Arte de Encarar o Medo, Os Satyros dialogam com o momento presente, buscando uma leitura da sociedade contemporânea abalada tanto pela pandemia quanto pelos casos crescentes de violência policial (aliada diretamente ao racismo e ao projeto de higienização racial nas periferias ao redor do mundo) quanto das políticas públicas deficitárias para combater o caos na saúde.

O grupo recicla fórmulas e linguagens, sublinhando a identidade construída ao longo de três décadas, e é essa transição da estética construída no palco para o universo online que torna A Arte de Encarar o Medo um dos melhores experimentos cênicos desta temporada. O grupo não apenas compreende com perfeição a nova ferramenta, como potencializa sua própria linguagem e a comunicação com a plateia que, durante o espetáculo, se manifesta por meio de bate-papo em tempo real.

A dramaturga friccionada apresenta tempos distintos, passeando entre o agora e um futuro – naturalmente – distópico em que a pandemia não teve fim e o mundo se adaptou aos trancos e barrancos ao isolamento social e ao contato remoto. Com pleno domínio da cena, o grupo consegue dinâmica invejável ao contracenar online com a mesma fluidez do palco.

Ponto para a direção precisa de Rodolfo García Vázquez, que, compreendendo os macetes do vídeo, criou bonito híbrido entre a linguagem teatral e a do audiovisual com estética noir que remete a clássicos cinematográficos do terror psicológico, e conduzindo bem o (numeroso) elenco formado por Ivam Cabral, Eduardo Chagas, Nicole Puzzi, Ulrika Malmgren, Diego Ribeiro, Fabio Penna, Gustavo Ferreira, Henrique Mello, Julia Bobrow, Ju Alonso, Marcelo Thomaz, Marcia Dailyn, Mariana França, Sabrina Denobile, Silvio Eduardo, César Siqueira, Nina Denobile Rodrigues e Pedro Lucas Alonso.

Ainda que patine em busca da crítica política (nada) sutil, Os Satyros se sobressaem neste momento como o grupo que melhor compreendeu a possibilidade da fusão de linguagens, mesmo sem a dinâmica (de fato) contemporânea de obras como Pandas… ou Era uma Vez em Frankfurt (com Nicole Cordery e Mauro Schames sob a direção de Bruno Kott) ou a linguagem harmônica do ainda inédito Pessoa (dirigido e estrelado por Elias Andreato).

O fato é que, ao dar rasante no universo online com A Arte de Encarar o Medo, o grupo Os Satyros se comprova eterno mutante e mostra que, a despeito da crítica de puristas do gênero, segue resistindo na vanguarda, fundindo linguagens e apontando caminhos para um teatro cada vez mais natural em frente a uma câmera. Quem viver…


Fonte:
Observatório de Teatro

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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