FILME SATYRIANAS DESNUDA EVENTO TEATRAL PAULISTANO; MÁRIO BORTOLOTTO E IVAM CABRAL SE DESTACAM

Padrinho do evento, Zé Celso faz aparição importante no filme sobre as Satyrianas (foto: divulgação)

por Miguel Arcanjo Prado

É comum ver brasileiro, sobretudo aqueles desprovidos de visão crítica, saírem por aí enaltecendo os Estados Unidos, mesmo sem nunca terem pisado na terra de Tio Sam. Ou dizer que algo é bom porque saiu no jornal. Além de mostrar falta de massa cinzenta, tais atitudes denotam visão limitada.

De forma consciente ou não, o filme Satyrianas, 78 horas em 78 minutos, dirigido pelo trio Daniel Gaggini, Fausto Noro e Otávio Pacheco, toca o dedo neste tipo de pensamento com fina ironia.

Com o objetivo de retratar as Satyrianas, evento teatral que dura três dias na praça Roosevelt, reduto boêmio-artístico paulistano, o roteiro do longa acerta ao misturar ficção com documentário, de uma forma bem-humorada.

O filme está na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com última sessão na próxima quarta-feira (31), às 17h10, na sala 2 do Espaço Itaú de Cinema, no shopping Frei Caneca.

No roteiro, um rico produtor resolve contratar um diretor norte-americano, Jeff (interpretado com entrega divertida por Leandro Luna), para retratar o evento com uma equipe tupiniquim, a quem o arrogante gringo adora esculhambar. Quem mais sofre é o pobre operador de câmera, interpretado por Bruno Autran, em ótimo momento.

Os ânimos são apaziguados pela produtora interpretada por Danny Oliveira, outra ótima descoberta no elenco. Aliás, os atores estão na medida certa.

Contrapondo a história da equipe cinematográfica, surgem depoimentos reais (será?) de personagens que fizeram e fazem parte do evento. Para quem conhece a cena teatral paulistana de perto é um prato cheio. Tem o aguerrido Roberto Alvim, o antropofágico Zé Celso Martinez Corrêa, o redentor da Roosevelt Rodolfo García Vázquez e até o coleguinha Rubens Ewald Filho.

Bortolotto e Cabral


Mas dois depoimentos roubam a cena. O primeiro é do dramaturgo Mario Bortolotto, o que ficou famoso ao tomar um tiro num dos bares da Roosevelt. Ele põe o dedo na ferida, quando fala do rumo das Satyrianas, infestada por globais para que o evento consiga visibilidade na mídia.

Ele entrega que as estrelas têm regalias que o povo do teatro não tem. Tal preocupação com o reconhecimento do mercado está inclusive nos créditos iniciais do filme, ilustrados com reportagens sobre o evento publicadas pela Folha de S.Paulo, todas com fotos de estrelas da TV que estão bem longe do cotidiano da praça Roosevelt.

Bortolotto merece aplauso por vociferar sua verdade.

Mas é aí que mora a dicotomia do evento. Ele só virou essa coisa toda – despertando inclusive o interesse da gente de cinema para fazer filme sobre ele – porque ganhou a mídia. E só ganhou a mídia porque atraiu celebridades. Que, por sua vez, só foram para lá porque a Roosevelt virou “point cult”. E só se tranformou nisso porque atores de teatro de verdade batalharam – e muito. Mas, ao fim, deixaram de ser as grandes estrelas. Ufa!

Outro depoimento que também conquista pela veracidade é o de Ivam Cabral, fundador da Cia. Os Satyros e criador das Satyrianas. Enquanto seu parceiro Vázquez faz um discurso politicamente correto da história do festival, eis que surge Ivam, aparentemente bêbado, e descontrói tudo.

Contando que, na realidade, ele gosta mesmo “é de bagunça” e que “ninguém gosta de teatro”, revela que tudo começou quando ganhou uma agenda de um amigo, cheia de telefones de famosos. Após passar muitos trotes, teve a ideia de convidá-los para um evento teatral, começando por Vanusa, a do Hino Nacional, que topou de cara.

No filme, Ivam parece um menino peralta, falando o que não deve na frente da visita. É aí que mora a beleza artística de sua aparição, que já está, com certeza, entre suas melhores performances. Bêbado ou não.

A atriz transexual cubana Phedra de Córdoba é outra que encanta, cumprindo seu papel de diva. E ponto.

Com a primeira parte mais ritmada, a reta final deixa cair o vigor. Poderia ter ido mais além da briguinha de meninos mimados entre o diretor gringo e seu câmera brasileiro.

Apesar de ser crítico à postura de servilismo no seu discurso, o filme incorre na mesma em sua forma. Demonstra deslumbre com os figurões, em detrimento à gente comum que também faz as Satyrianas acontecer.

Com certeza, haveria muitas histórias a serem contadas e o longa sairia do lugar de conforto no qual se instalou. Quem sabe isso surgirá em uma continuação, como dita o mercado?

Satyrianas, o Filme – 78 horas em 78 MinutosAvaliação: Bom

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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