Eu, engraxate

Engraxate de sapatos foi meu primeiro trabalho. Eu tinha sete anos quando ganhei do meu pai uma caixa de engraxate, semelhante à da foto. A minha, no entanto, era pintada de branco e mais retangular que a da imagem. O combinado com nossa mãe era que deveríamos ficar entre a praça da igreja e o bar do Cavalieri, cerca de 100 metros de nossa casa, e trabalhar apenas aos sábados. A praça do coreto, muito mais movimentada, era dominada pelos meninos maiores, que não permitiam que ninguém dividisse seus espaços.

Não durei muito tempo nesse meu primeiro emprego, mas também não foi tão pouco que eu não pudesse ter colecionado algumas boas histórias. Um dia, prometo escrever sobre essas histórias; há algumas bem divertidas. Trabalhei como engraxate por talvez um pouco mais de um ano. O dinheiro arrecadado com minha caixa branca ficava para mim, e eu sempre voltava para casa depois de passar no açougue do Chico Tripa. Ah, bons tempos aqueles. Quanta saudade!

Lembro-me bem da sensação de independência que aquela pequena caixa branca me proporcionava. Sentia-me importante, como se tivesse um papel fundamental na minha família, mesmo sendo apenas um menino. As pessoas me conheciam e me cumprimentavam, e eu adorava a sensação de fazer parte da rotina diária da minha cidade.

Aos sábados, acordava cedo, cheio de energia e entusiasmo. Pegava minha caixa, cheia de escovas, graxas e panos, e partia para a praça com a esperança de engraxar muitos sapatos e ganhar algumas moedas. Cada cliente era uma oportunidade de aprender algo novo, seja uma história engraçada, um conselho sábio ou apenas um sorriso de aprovação.

Apesar dos desafios e das limitações impostas pelos meninos maiores, que dominavam a praça do coreto, esses dias como engraxate foram extremamente formativos. Eles me ensinaram a valorizar o trabalho, a ser resiliente e a apreciar as pequenas coisas da vida. Hoje, ao olhar para trás, vejo o quanto aqueles momentos simples contribuíram para me moldar e me tornar a pessoa que sou hoje.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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