Costuma-se pensar ciência como o território do cálculo, da prova, da experimentação laboratorial. Mas ciência, antes de ser fórmula, é método. É a busca incessante por compreender o mundo a partir de perguntas, hipóteses, erros, revisões e descobertas. Nesse sentido, tanto o teatro quanto a psicanálise são ciência. São saberes que não se contentam com o já dado. Investigam, desmontam, devolvem perguntas ao silêncio.
Na SP Escola de Teatro, fazemos ciência diariamente. Ciência da cena, ciência da subjetividade. Nossa revista A[L]BERTO, que este ano chega à 12ª edição, é testemunho disso. Publicar pensamento crítico em um país onde a reflexão é tantas vezes abafada já é, em si, um gesto político. A revista, como a própria escola, é um motor de educação e um laboratório de ideias.
Não por acaso, dois presidentes do Conselho de Administração da Adaap – Contardo Calligaris e, mais recentemente, Isildinha Baptista Nogueira – vieram da psicanálise. Ambos nos ensinaram a cultivar o rigor sem perder a poesia, a sustentar o caráter científico da nossa pesquisa sem abrir mão da singularidade. Contardo e Isildinha não apenas apoiaram. Sopraram vento nas velas de um barco que insiste em navegar contra correntes fortes.
Desde sua fundação, em 2010, a SP Escola de Teatro escolheu um caminho de insubmissão. Não começamos pela Grécia, tampouco erguemos altares ao Egito faraônico. O teatro, para nós, não é narrativa linear, nem linha do tempo organizada em colunas europeias. Nossa matriz não é “grade”, mas espelho de interdisciplinaridades. Em vez de “disciplinas”, falamos em componentes formativos – porque acreditamos que aprender não é se disciplinar, mas se abrir.
Isso causou rebuliço. Afinal, não viemos para reproduzir manuais, mas para reinventar acessos. Entendemos que uma escola tem a obrigação de abrir janelas. Mesmo que a sala esteja fria e a ventania incomode. É no desconforto que se encontra o essencial.
Algumas escolas de teatro ensinam a projetar a voz, a entrar em cena, a cair com elegância. Outras, mais teimosas, escolhem ensinar a cair do mundo e refazê-lo. É aí que nos encontramos.
Nosso coordenador Rodolfo García Vázquez tem passado este ano a trabalhar na Ernst Busch, em Berlim. Em sua bagagem, levou dois temas que ainda assustam mundos: teatro decolonial e teatro digital. Temas espinhosos, onde muitos preferem não pisar por medo de se ferir. Mas é exatamente nesses terrenos que precisamos arriscar passos.
Não é a primeira vez que nossa escola ecoa nesses espaços internacionais. Desde o início, a SP Escola de Teatro já trazia uma chama decolonial, ainda sem nome. No Brasil de 2010, dizer que a Grécia não era a única porta de entrada para o teatro era quase heresia. Mas nós sabíamos: não precisamos viver sob a luz única da Europa.
Rustom Bharucha já havia nos ensinado isso, nos anos 1980, quando denunciou o gesto colonial de Peter Brook ao transformar o “Mahabharata” em espetáculo para o Ocidente. Não se tratava de estética apenas, mas de ferida. E a pergunta de Bharucha, “o que significa traduzir a Índia para o olhar europeu?”, ainda ressoa.
O teatro, como a psicanálise, não é apenas arte: é também ciência feita no corpo e na palavra, na escuta e no risco. É a ciência que se atreve a dizer que tradição só faz sentido se abrir saídas. É a ciência que desconfia das certezas e aposta no que ainda não tem nome.
Na SP Escola de Teatro, seguimos cultivando esse lugar. Quando somos convidados a compartilhar nossas experiências em espaços que ainda insistem em imaginar a Europa como centro, vamos. Não para pedir passagem, mas para mostrar que outros sóis também podem nascer.
Talvez o teatro seja isso, a arte de transformar o terremoto em dança. De reconstruir a casa depois que tudo ruiu. De lembrar que, mesmo quando um sol brilha com arrogância, há constelações inteiras esperando para acender.
E é por isso que seguimos dizendo, sem medo de parecer arrogantes: sim, produzimos ciência aqui. Ciência da melhor qualidade. Ciência que não fecha o mundo em fórmulas, mas o abre em brechas.