Com destaque para Isadora Tucci, Raul Ribeiro, Alex de Félix e Eduardo Chagas (com gestos simbólicos e precisos), a montagem só poderá ser plenamente compreendida em sua totalidade, após visita às três versões
• A Casa de Bernarda Alba
Por Marcio Tito • @marciotitop
Para o jovem Rodolfo Vázquez, futuro autor e diretor teatral, o passado europeu de seus antepassados foi marcante. A memória de uma Espanha desconhecida, porém marcada por guerras, costumes e tradições, e narrada pela boca dos e das mais velhas, seria fundamental para que o Rodolfo de ontem e o Rodolfo de hoje se unissem em busca da melhor interpretação para um clássico ainda não levado pela Companhia de Teatro Os Satyros: A Casa de Bernarda Alba.
Mestre em revelar o que as personagens dos grandes e das grandes autoras ocultam em suas complexas maneiras de negar ou desejar, Vázquez optou por uma encenação enxuta, utilizando figurinos potentes como suportes narrativos para o exíguo e eficiente cenário. Com uma assinatura definitivamente urbana, Vázquez criou atmosferas e jogos visuais entre luz e contraluz, transmitindo a impressão de que, fora do palco, além das coxias e longe da ribalta, existe uma comunidade sempre atenta e sobressaltada. Tensionando o drama, e quase visível pelas janelas, ainda no intento da produção de um agitado lugarejo ao redor da casa, a presença um mundo capaz de assombrar o autor que terminaria seus dias fuzilado é constante e enerva todas as figuras.
Enquanto outros críticos e autores e autoras enxergaram uma discussão de gênero nas estratégias de Vázquez, minha análise, pautada na trajetória dos Satyros e suas lutas, me levou a uma reflexão sobre a pesquisa que, quase sempre, de uma maneira ou de outra, se revela eficaz e para além das pautas imediatas.
O grupo, reconhecido por renovar suas próprias contradições, seguindo pela via de um sociologia sempre presente, aplaudido por também buscar o mais inusitado futuro, parece sempre querer um pouco mais de cada debate, e apesar de ótimos textos já terem sido elaborados sobre o tema, confesso que, embora reconheça a força de um homem representando Alba, minha análise se satisfaz ao imaginar que o sorteio inicial é, na verdade, um jogo carismático e que dialoga com o grupo, resultando em uma grande explosão e comentário empático e feroz contra e a favor de todos os desencontros e certezas deste início de século.
Livre da possibilidade de cancelamento e corajoso o suficiente para não se acanhar diante do que ainda não foi debatido pela sociedade, o grupo parece ter optado por algo que transcende a forma, dedicando-se a um teatro que busca desvendar tradições e confrontá-las com produtos culturais de alta qualidade estética e política. Perspicazes em suas escolhas e atuais em suas propostas, os Satyros seguem, sem medo, ultrapassando os debates contemporâneos.
É correto afirmar que essa fortuna criativa, além de um enredo teatral bem escolhido e executado, torna A Casa de Bernarda Alba um texto-coringa, capaz de convergir debatedores e temas de todos os tempos. Também se mostra notável o respeito do diretor pelos textos clássicos e sua busca por manter-se fiel ao material original. Essa decisão revela um artista cuja obra transita por diversas culturas e demonstra a força eloquente do teatro veloz.
Com recursos de luz que prometem prêmios ao final da temporada, A Casa de Bernarda Alba se apresenta como um espaço curioso que vai além da maturidade de Vázquez. Estamos diante de um teatro brasileiro com o passaporte bem carimbado, e a montagem oferece uma cena profunda, dinâmica e formal, latente e pulsante, conectada ao tempo presente, mas acelerando sem medo.
Os Satyros deram um passo significativo no debate, entrando e saindo de todas as questões, revelando e dançando dentro e fora de todas as estruturas possíveis. Fica a impressão de que o espetáculo termina e resta uma luminosa e urgente página em branco.
Ficha técnica
Direção Artística: Rodolfo García Vázquez
Assistente de Direção: Renatto Moraes
Elenco:
Alessandra Rinaldo, Alex de Felix, André Lu, Anna Paula Kuller, Augusto Luiz, Diego Ribeiro, Eduardo Chagas, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Gabriel Mello, Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Isadora Tucci, Isabela Cetraro, Julia Bobrow, Juliana Moraes, Karina Bastos, Luís Holiver, Mariana França, Neni Benavente, Raul Ribeiro, Tammy Aires, Vitor Camargo, Vitor Lins, Wil Campos.
Pesquisa: Ivam Cabral
Tradução: Rodolfo García Vázquez
Adaptação: Ivam Cabral
Cenógrafo: Caio Rosa
Aderecista: Elisa Barboza
Iluminação: Flavio Duarte
Desenho de som: Thiago Capella e Felipe Zancanaro
Canções originais: André Lu
Voz Off: Ivam Cabral
Trilha sonora original: Felipe Zancanaro
Berimbau gravado: Zé Vieira
Voz off: Ivam Cabral
Operação de luz: Flavio Duarte
Operação de som: Felipe Zancanaro
Técnico de palco: Gabriel Cabeça e Jota Silva
Preparação vocal: André Lu
Direção de coreografia e flamenco: Neni Benavente
Figurino: Senac Lapa Faustolo – Curso livre de criação e desenvolvimento de figurino
Docentes: Maíra D. Pingo e Fábio Martinez
Alunos:
Beatriz Angelica Jacob Ferrazzi, Bruna Afonso de Oliveira, Catherine da Silva Mello Alves Branco, Cris Cordeiro, Daniela Aguiar, Gabriel Angelo Morgante de Caires, Gabriela Reis dos Santos, Isabela Cristina Nunes Favaron, Isaque Oliveira Magalhaes, Julia Lie Imamura, Karina Giannecchini Gonçalves, Levy Alves de Souza, Luana Freitas Prates, Luciano Santana Oliveira, Marcos Vinicius Araujo dos Santos, Natalia Giovenale, Vanessa Cardozo Teixeira, Yasmin Gaspar Martins Silva Santos.
Produtor: Fabio Martins
Produtora Assistente: Maiara Cicutt
Fotógrafo de perfil: André Stefano
Fotógrafo de cena: Cristiano Pepi
Idealização: Os Satyros
Realização: Sesc São Paulo
Fonte: Deus Ateu