‘Descaso total’: reduto de artes e boemia, praça Roosevelt sofre abandono

Em visível estado de abandono e má conservação, a praça Franklin Roosevelt, na região central de São Paulo, tem enfrentado problemas de zeladoria, acúmulo de lixo, casos de roubo e tráfico de drogas, como reclamam moradores, frequentadores e comerciantes do entorno.

“A praça nunca teve muita manutenção, então, com o tempo, foi se deteriorando. Mas, de fato, a situação piorou muito de uns 3 anos pra cá”, afirma o engenheiro civil Fernando Mazzarolo, 62, presidente da AmoPraça (Associação dos Moradores da Praça Roosevelt).

Segundo Mazzarolo, nos últimos meses somente a associação registrou ao menos dez reclamações à Prefeitura e à Secretaria de Segurança Pública cobrando a instalação de cestas de lixo maiores, manutenção da estrutura da praça e do paisagismo, além de reforço policial na prevenção de roubos e furtos — recorrentes no entorno, praticados sobretudo por criminosos de bicicleta.

Bancos quebrados e lixo acumulado

Os problemas estruturais são muitos: o piso da praça está desgastado, bancos estão quebrados e a grade central, no jardim, afundando. Também há acúmulo de lixo sobretudo aos finais de semana, quando há maior circulação de pessoas, e faltam banheiros. Embora haja uma lei que obriga a circulação de animais com coleira em espaços públicos, cachorros correm soltos pela praça sem qualquer fiscalização.

Um dos pontos mais críticos é o pergolado que cobre dois quiosques da praça. As ripas de madeira estão apodrecidas e algumas delas foram retiradas pela Prefeitura, sem reposição até agora.

“No ano passado, a Defesa Civil interditou com grades a área embaixo do pergolado, por segurança. Até agora, a Prefeitura não o consertou e não deu nenhuma previsão de quando o fará”, conta o presidente da AmoPraça. “Apenas retiraram as ripas mais deterioradas, depois de mais de 6 meses de interdição, e liberaram a área embaixo.”

Café fechado

As restrições da pandemia já haviam abalado o movimento do café Via Roosevelt, instalado em dois quiosques embaixo do pergolado, e a interdição do espaço piorou tudo, de acordo com a empresária Mari Ferreira, 40, uma das sócias que administram o espaço. “De longe, parecia que estava fechado”, lamenta.

“Não fomos comunicados, não deram prazo [para o conserto] nem disseram se iam fazer reforma”, queixa-se a empresária. Sem clientes, o café acabou fechando em dezembro. “Estamos tentando buscar parceiros para reabrir no próximo mês”, afirma.

O café chegou a ser arrombado e roubado nos últimos meses, mesmo estando ao lado da base da Polícia Militar. “Agora é o roubo de celular que tem afastado muita gente da Roosevelt e do centro. Você vai atender o celular, o cara vem e leva, ali é point de roubo de celular.”

Ciclos de auge e decadência 

A praça Roosevelt, símbolo da boemia e da cena cultural da cidade, teve períodos de auge e de decadência.

Nos anos 1960, foi ponto de encontro da chamada Bossa Nova paulistana e endereço do Cine Bijou, primeiro cinema de arte da cidade. Na virada dos anos 1990 para os 2000, enfrentou degradação, com alto índice de violência. Situação que mudou aos poucos com a chegada de grupos de teatro e a reabertura de bares, transformando a região em polo de apresentações artísticas, festivais e eventos gratuitos.

Em 2011, a Prefeitura iniciou uma grande reforma da praça, que pôs abaixo a antiga estrutura de um projeto arquitetônico inaugurado em 1970 para revitalizá-la. O que era concreto rachado deu lugar a 25 mil metros quadrados de área aberta, ampla, com pista de skate, cachorródromo, dois quiosques e base da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e Polícia Militar.

A “nova” Roosevelt custou R$ 55 milhões e foi inaugurada em 2012 pelo então prefeito Gilberto Kassab, a duas semanas das eleições. No ano seguinte, foi palco de protestos contra o aumento da passagem dos transportes públicos na cidade e passou a ser parte do trajeto de blocos de Carnaval do Centro.

Em 7 de fevereiro de 2017, pouco mais de um mês depois de tomar posse, o ex-prefeito João Doria (PSDB) publicou no Diário Oficial uma portaria que proibia a realização de eventos e a concentração ou dispersão de blocos carnavalescos na praça e no vizinho elevado João Goulart, o Minhocão.

Segundo a Prefeitura, o objetivo era coibir poluição sonora e a perturbação do sossego da vizinhança. Em 2018, a gestão Bruno Covas (PSDB) retificou a portaria, liberando eventos de baixo impacto e pequena aglomeração de pessoas — como as Satyrianas, tradicional festival de artes que ocorre no local há mais de duas décadas.

‘Não se justifica’ 

Foram anos de persistência para transformar a Roosevelt num espaço frequentado pela população, como conta o ator e dramaturgo Ivam Cabral, 59, cofundador da companhia Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro, cujas sedes ficam na região.

“Quando chegamos aqui, em 2002, o centro estava desabitado, tudo estava abandonado. Hoje não é assim, há muito movimento, muita gente quer morar na Roosevelt”, lembra Cabral. “Não se justifica esse abandono. Não faz sentido que o poder público não olhe para esse lugar. É um descaso total.”

Para ele, o abandono da praça é uma decisão política do poder público. “A sensação é de que nos odeiam. A gente não representa nada para eles. É impressionante que, se você cruzar a Consolação e entrar em Higienópolis a situação é diferente”, critica, referindo-se ao bairro nobre que fica próximo à praça, do outro lado da avenida.

“[As sedes] Satyros e a SP têm um ‘pântano de xixi’ em frente. Quando chega este período de calor, é impossível lidar com o cheiro forte. E se você vai reclamar à Prefeitura sobre a situação da praça, eles fazem uma chantagem, sugerem transformá-la em parque porque assim podem fechá-la à noite”, diz o ator. “É mais fácil para eles se isentarem.”

Segundo Cabral, faltam ações educativas para conscientizar os frequentadores e os comerciantes sobre os cuidados com a praça.

Prioridade é novo mirante 

Os problemas da praça Roosevelt são, na verdade, sintomas recorrentes em vários bairros de São Paulo, como mostrou uma reportagem da Folha: de janeiro a setembro de 2022, foram registradas 1.221 reclamações diárias pelo canal de atendimento ao cidadão da Prefeitura, relacionadas a limpeza e outros problemas de manutenção. Em 2021, essa média era de 1.044.

Não falta dinheiro, entretanto, para os consertos. Segundo a mesma reportagem, dos R$ 31 milhões que haviam no caixa do município em dezembro, R$ 17 milhões estão vinculados a nenhum gasto obrigatório, e podem ser usados para essas obras.

Ao que parece, a prioridade é outra. Contraditoriamente, enquanto a praça Roosevelt não passa por manutenção, a gestão Ricardo Nunes (MDB) deu início às obras de um mirante, extensão da praça, localizado na rua Augusta, sobre um eixo do viaduto Júlio de Mesquita Filho.

O objetivo do projeto, diz a Prefeitura, é criar no pequeno espaço uma área de lazer “referência em sustentabilidade, preservação ambiental e ampliação da biodiversidade”. No local haverá palco, arquibancada e bicicletário. O equipamento vai custar R$ 4,3 milhões e deve ficar pronto no segundo semestre deste ano.

O outro lado 

Em nota enviada ao TAB, a Prefeitura de São Paulo afirma que realiza duas limpezas diárias na Roosevelt: uma pela manhã e outra à tarde. Com relação aos quiosques fechados, o texto diz que o uso do espaço está condicionado a um termo de cooperação, vigente até setembro deste ano, e que “os cooperantes foram notificados a esclarecer a não-utilização do espaço”

A Prefeitura foi questionada pela reportagem sobre a manutenção do pergolado de madeira, a interdição da área e se há previsão para conserto. Também foi perguntada sobre o valor gasto na zeladoria e conservação da praça de 2019 a 2023. As perguntas não foram respondidas.

Segundo dados do portal 156, de 2019 a 2023, foram registradas 145 reclamações de perturbação do sossego na Roosevelt e 21 solicitações para varrição, 17 de roçada e 14 de poda ou remoção de árvores.

Sobre o policiamento na região, a Secretaria de Segurança Pública do estado disse que a Polícia Civil, entre 1º de janeiro e 7 de fevereiro, realizou 59 prisões relacionadas a tráfico de entorpecentes na região central da cidade — o que inclui a Roosevelt. E que a Polícia Militar “faz o patrulhamento ostensivo e preventivo” no local, “por meio de bicicletas, policiais a pé e viaturas operacionais, além de contar com a base da 1ª Cia do 7ºBPM/M”

 

Fonte: TAB UOL

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