DA CONTEMPORANEIDADE À TRADIÇÃO

“Makadam”, performance dos artistas alemães Angie Hiesl e Roland Kaiser (foto: Roland Kaiser)

Na educação, cada vez mais, tenho a sensação de que o menos importante é o aprendizado em sequência. Na marcha cognitiva, e se pensarmos que estamos falando de aprendizes que já concluíram o Ensino Médio, o que menos importa é conhecer superficialmente alguma teoria.

Sempre gosto de lembrar que um especialista do teatro grego, por exemplo, pode saber tudo dos gregos – seus autores e sua mitologia –, e desconhecer, por completo, o teatro pós-dramático. Ou o contrário. Desta forma, criar redes e diálogos interdependentes entre conhecimentos variados é, em nosso tempo, a tarefa mais importante.

Na SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco trabalhamos o conceito do não-acumulativo. Estruturamos nossa formação em quatro módulos, que duram um semestre cada. Estes módulos são células autônomas que têm total independência entre si.

Em cada um deles, elencamos um eixo temático, a partir do qual se estruturam o conhecimento e as técnicas a serem transmitidas naquele semestre. Quatro módulos, quatro eixos temáticos, por consequência.

Ainda dentro de cada um destes módulos, três fases compreendem o aprendizado: Processo, Experimento e Formação.

O Processo é a etapa na qual conteúdos e técnicas relativos ao eixo temático são trabalhados em sala de aula. Experimento é a fase em que os aprendizes, estruturados em núcleos de trabalho, mostram suas experimentações cênicas. Na Formação, temos a reavaliação das fases anteriores, em especial do Experimento, e também o momento de sistematizar os conhecimentos vivenciados na prática.

Em cada módulo, estas três fases são replicadas três vezes. De modo que os aprendizes são incentivados, sobretudo, à reflexão. Ao final de cada um desses módulos, não é apresentada a montagem de um espetáculo, mas apenas cenas curtas que resultaram dos Experimentos.

Para a SP Escola de Teatro interessa muito mais o curso, o procedimento, do que o resultado final. Por isso, a  última etapa é sempre a da formação. Por conseguinte,  o aprendiz apresenta o seu exercício e o encerramento do módulo se dá pela sua avaliação: que livro eu poderia ter lido para aprofundar a minha reflexão? Que filme eu deixei de ver? Que autor/ideia seria fundamental para uma maior compreensão do meu trabalho? Assim, em nossa Instituição, o importante é não estar pronto.

No ensino formal, fomos orientados a buscar as referências da tradição sem, no entanto, criar qualquer paralelo com o contemporâneo. Nas escolas de teatro, primeiro vinha a obrigação de montar um clássico do teatro romântico, sem que isso traçasse qualquer cotejo com o tempo e apreensões deste aprendiz. Ou, quando acontecia, era sempre de maneira superficial e nada evidente.

Talvez a grande desmotivação do aprendizado esteja justamente neste ponto: impor uma teoria sem que ela esteja ajustada a realidade ou vivência do educando. À vista disso, não seria mais producente falar de teorias, por exemplo, se as aplicarmos à realidade de um território circunscrito? É sempre possível – quiçá fundamental –  traçar um paralelo entre a contemporaneidade e a tradição.

Não podemos olhar para a história como algo imutável porque há sempre flexibilidade em seu trânsito. É possível, ainda que de maneira abstrata e subjetiva, modificarmos seu fluxo e sua condução. A história consegue, sim, ser modificada. Acertos e erros do passado podem se tornar espelhos para o presente. Mas a análise mais eficaz, contudo, é quando este percurso é olhado no detalhe, na direção do contemporâneo para a tradição; no resgate cronológico, portanto.

Em vias contrárias, revelar ao contemporâneo a importância da tradição é papel do educador. Seja no teatro, na história ou na geografia.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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