Fiquei pensando em uma frase que li ontem, amplamente atribuída a Shakespeare, mas que, ao que tudo indica, teria sido escrita por Henry Van Dyke, que diz: “o tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que sofrem, muito curto para os que festejam. Mas, para os que amam, o tempo é eterno.”
Antes de dormir, fiquei pensando. Vivo como quem atravessa uma ponte em obras, carregando nas costas um edifício inteiro. Não sou apenas um homem. Sou uma holding. Uma estrutura complexa que sustenta outras tantas. Projetos, instituições, compromissos, utopias. Sou o que preciso ser para que tudo em volta não desabe. E sei, com exatidão cirúrgica, que se eu deixasse de fazer, diariamente, dez por cento do que faço, o colapso não tardaria.
Não é vaidade. É sobrevivência.
Aquele projeto de dormir cedo se perdeu nas primeiras tentativas. Assim, cedo, durmo tarde. No meio, equilibro mundos. Faço teatro, ouço vozes, crio escolas, cuido de pessoas, programo cinemas, produzo filmes, escrevo livros que talvez ninguém tenha tempo de ler. Para ser honesto, nem eu. Porque o tempo que tenho me escapa como areia entre os dedos. E, nesse escape, deixo para trás livros que me esperaram em vão, filmes que saem de cartaz sem que eu os tenha visto, séries que adormecem na minha lista de espera como cartas nunca abertas. Sou cercado por fantasmas delicados que se empilham, silenciosos, na estante e na tela.
Daí, nos meus devaneios antes de dormir, me lembrei de Shakespeare que, em As Alegres Comadres de Windsor, disse que “melhor três horas cedo do que um minuto atrasado”. Mas, Shakespeare, me perdoe por trazer esta questão, mas e quando não há três horas? E quando todos os minutos já estão comprometidos com o urgente, e o importante morre de inanição? Socorro.
Eu sei, o tempo me atravessa como lâmina e me molda como um escultor impaciente. Aprendi a dar atenção ao detalhe, não por preciosismo, mas porque sei que o mínimo pode ser o princípio do fim. Um gesto em falso, uma palavra mal escrita, uma decisão adiada. E lá se vai o edifício inteiro. Por isso vigio os parafusos, os cabos, os vazamentos invisíveis.
Às vezes invejo os que não têm pressa. Os que leem poesia no meio da tarde como quem se espreguiça ao sol. Os que permitem que o tempo aconteça, sem urgência nem ruído. Eu, se paro, desmorono. O tempo me exige movimento. Mas, no fundo, bem no fundo, também amo. E talvez por isso ele ainda me ofereça alguma eternidade.
Agora eu chego a outra frase atribuída a Shakespeare, estava no texto que eu lia ontem. Uma frase que, na verdade, está num poema do escritor americano Delmore Schwartz, e que diz: “o tempo é o fogo em que ardemos.” Sim, eu ardo. E sigo ardendo. Só peço que, quando esse incêndio enfim se apagar, restem ideias, ainda que nunca tenham sido executadas. E alguns desejos, mesmo que não tenham germinado.
Penso agora e acho curioso. Trago duas frases atribuídas a Shakespeare, mas que não lhe pertencem. A princípio, achei apenas uma coincidência. Mas, pensando melhor, talvez isso revele mais do que eu imaginava. Recorro à psicanálise e suas associações livres. Talvez o tempo, como essas citações deslocadas, também seja uma construção. Uma ficção que vestimos para dar alguma forma à desordem que é viver.
Talvez o tempo que me atravessa seja apenas o rastro da vida que eu poderia estar vivendo. Ou um modo de sobrevivência, tão somente.
Porque, no fim das contas, viver assim é o preço que pago para não ser apenas passageiro do tempo, mas também seu cúmplice. Seu cúmplice e, quem sabe, sua testemunha.