A crítica é de abril, quando me apresentei na última edição do Festival de Curitiba, na estreia de “Todos os Sonhos do Mundo”.
Fundador da Cia. de Teatro Os Satyros, que completa 30 anos, Ivam Cabral estreou no 28º Festival de Curitiba seu solo “Todos os Sonhos do Mundo”, com o qual comoveu o público com relatos sinceros sobre sua vida.
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
“Todos os Sonhos do Mundo” ✪✪✪✪✪
Avaliação: Ótimo
A vida é mesmo simples e bela. E deve ser aproveitada a cada minuto, em vez de ficarmos presos a picuinhas e dores do passado ou mesmo do presente. É preciso seguir em frente, de cabeça erguida, independentemente das peças que o destino nos pregue. Porque é tudo muito curto e veloz.
É essa sensação que dá ao ver “Todos os Sonhos do Mundo”, monólogo do ator Ivam Cabral que faz parte da Mostra Satyros no 28º Festival de Curitiba. Ela celebra os 30 anos da Cia. de Teatro Os Satyros, fundada por ele e Rodolfo García Vázquez em 1º de abril de 1989.
Ivam apresentou a peça para a plateia intimista do Teatro Paiol, charmoso palco curitibano inaugurado por Vinicius de Moraes e Toquinho e e no qual já pisaram nomes como Elis Regina, conforme lembrou no começo.
Com pessoas queridas de seu convívio no presente e no passado na plateia, com direito a moradores de sua cidade natal, Ribeirão Claro, no interior paranaense, ele conversou sobre sua vida de ontem e de hoje.
Lembrou anedotas de sua infância, algumas repletas de risos, outras, de dramas, e outras ainda feitas da mescla dos dois. Afinal, assim é composta a vida.
Ivam falou sobre destinos e caminhos, lembrando em suas histórias muitas daquelas que são as nossas, de tão universais.
Vestido elegantemente com um terno xadrez, o ator abusou da simplicidade na condução de seu relato, intermediado por poesias de nomes como Manuel Bandeira, lidas em um kindle.
A despretensão resultou em uma estética acessível, mas de ares sofisticados. No espetáculo confessional, a linha tênue que separa morte e vida mostram-se assustadoramente próximas.
Ao falar de forma direta sobre a depressão e os dois cânceres que enfrentou, bem como o que vitimou há pouco mais de um ano seu irmão, Dimi Cabral, Ivam arrancou lágrimas na plateia do Paiol.
A direção de Rodolfo García Vázquez, companheiro primordial de Ivam, é respeitosa com a necessidade do ator em expressar-se sem grandes aparatos ou espetacularizações.
Frágil como as pétalas vermelhas que ele deixa cair sobre seu rosto em uma das cenas.
Despojada, a direção confia no poder único daqueles relatos, ditos com tanta verdade na boca daquele ator, que busca realizar-se à medida que concretiza sonhos dos outros, em uma espécie de entrega visceral à alteridade.
Afinal, Os Satyros sempre foram lugar habitado por outros. Por gente de todos os tipos, de todas as histórias possíveis; pessoas acolhidas com amor e confiança, premissas fundamentais de seu teatro libertário, diverso e afetivo.
E isso é fruto, sobretudo, da personalidade de seus fundadores e diretores, Ivam e Rodolfo.
Pessoas que escolheram não abrir mão da simplicidade da vida diante de adversidades ou das benesses, que sempre souberam dialogar, com a mesma dignidade, com palácios e barracos.
“Todos os Sonhos do Mundo” é justamente fruto disso tudo.
De toda essa vasta experiência de vida de Ivam Cabral, que o leva a construir ao lado de Rodolfo García Vázquez um espetáculo de teatro simples, emocionante e repleto de amor.
Feito para tocar o mais profundo coração e ser aplaudido de pé.
Fonte:UOL, 2 de abril de 2019
Na foto em destaque, Ivam Cabral no Teatro Paiol, em Curitiba, em abril de 2019 – Foto: Lina Sumizono