Foram apenas três meses desde a estréia do primeiro espetáculo da Trilogia da Quarentena que Os Satyros estão apresentando na plataforma Sympla, mas como a percepção de tempo está completamente alterada, parecia mais. Em “A arte de encarar o medo” eles inauguraram o teatro digital no Brasil, para além da chatíssima câmera parada. Múltiplas possibilidades foram trabalhadas pela trupe com rigor, arte e competência técnica. Em um híbrido que redimensiona as fronteiras entre teatro, cinema, tv e internet, para se dizer o mínimo, visto que outras artes também entram neste caldeirão tecnológico, a primeira peça causava um assombro diante de algo novo. Eu tive uma sensação parecida quando ouvi o Drum´n Bass tocado pela primeira vez dentro de um vagão de trem pelo DJ Marky Mark nos anos 1990 em uma festa na Casa das Caldeiras, promovida por Érika Palomino. São momentos raros carregados de lirismo e realidade, que é possível experimentar-se quando algo muda radicalmente na civilização. E no nosso caso, tudo mudou.
Assim que soube que eles estavam ensaiando a segunda parte da Trilogia, eu fiquei entusiasmado e excitado pela possibilidade de, mais uma vez, presenciar mais um passo desta caminhada longa que eles abriram para todos nós.
NOVOS NORMAIS: SOBRE SEXO E OUTROS DESEJOS PANDÊMICOS para nossa alegria, é tão boa e inovadora quanto a primeira parte.
No início, somos convocados a exaltar nossa saudade do mundo que não existe mais. O que permanece? O que é essencial? Através de um grupo de Whatsapp, em uma integração de aplicativos (sim, as máquinas conversam entre si), mandamos mensagens em áudio sobre o que nos causa este sentimento. A memória de depoimentos pessoais são jorradas na tela do grupo. No meio do espetáculo, somos convidados a ligar nossas câmeras e microfones, desta vez para falarmos da saudade do que não vivemos.
Imediatamente a música “Índios”, da Legião Urbana pulsa na minha mente. E em um ritual artaudiano tecnológico e digital entramos em uma catarse de cura xamânica do nosso vício de insistir nesta saudade que sentimos de tudo o que ainda não vimos. “Tenho saudade de andar na lua.”, disse, empolgado com o jogo cênico.
Os primeiros minutos do espetáculo são mágicos. Tocam em algum lugar de nossa alma e faz jorrar uma profusão de sensações caleidoscópicas. A música de Marcelo Nassi tem grande contribuição para a catarse. E durante todo o espetáculo, somos conduzidos pelos atores, cheios de paixão. Um velho nu embaixo do chuveiro, sua transformação em foto de sua infância, um jovem guru que clama por meditação e contraditoriamente exalta-se com sua mãe com os nervos à flor da pele, as cenas de pistas de dança, as atrizes escrevendo palavras em partes de seus corpos, uma profusão de imagens e paisagens oníricas do meio desta pandemia.
A libido coletiva, tão enclausurada nos confinamentos individuais, por fim, explode. E nesta explosão, uma enxurrada de frutas são simbolicamente e com muita delicadeza, transformadas em uma deliciosa orgia sensorial e imagética.
Fotos do cafona “novo normal”, que não é normal coisa nenhuma, são exibidas em um espelho cruel de nossa realidade. Prazer e dor se misturam e são expostos a uma indagação que grita. É esse o novo normal? Não existe novo normal. O que estamos vivendo é uma tragédia global. Milhares de mortes diárias não é normal. Não poder abraçar, beijar, pegar, respirar, fazer amor, enfim, não é nada normal. Nunca será.
O espetáculo nos faz rir, chorar, refletir.
É emocionante, para dizer o mínimo.
Em algum momento, conversando com os atores, eu disse que espero que a terceira parte seja sobre o fim da pandemia, já que esta é sobre o meio.
Estou com uma saudade danada desta vacina que ainda não conhecemos. E que nos trará de volta à normalidade.
Quem me dera, ao menos uma vez que os homens que transformaram seus corações em pedra, assistam este estimulante e original espetáculo, e que ao nos olharmos nos espelhos, não vejamos mais um mundo doente. E que nossas lágrimas sejam de um choro profundo e transformador. De felicidade.
Evoé!
OS NOVOS NORMAIS: SOBRE SEXO E OUTROS DESEJOS PANDÊMICOS
Sinopse
Vinte atores levam à cena desejos e sentimentos represados que se manifestam em tempos de “novo normal”: o sexo, as carências de afeto e contato físico, as saudades das rotinas abandonadas, as compulsões adquiridas ou intensificadas pelas drogas ilícitas e outros desejos e manias particulares.
Ficha Técnica
Roteiro: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Direção: Rodolfo García Vázquez
Elenco: Alessandra Nassi, Alex de Felix, Alex de Jesus, Anna Kuller, André Lu, Beatriz Medina, Bruno de Paula, Dominique Brand, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Ingrid Soares, Júlia Francez, Karina Bastos, Luís Holiver, Marcelo Vinci, Roberto Francisco e Vitor Lins
Participações especiais / Agradecimentos: Eduardo Vilela, Estêvão de Oliveira Boorne, Gabriel Silva, Ivone Fs, Marcelo Nassi, Nicole Puzzi, Thaissa Costa, Vera Lúcia Kuller Palmeiro
Trilha Sonora Original: Marcelo Nassi
Operadora de som: Laysa Alencar
Orientação Visual: Adriana Vaz e Rogério Romualdo
Multimídia Designer: Henrique Mello
Social Media: Isabella Garcia e Diego Ribeiro
Fotos: André Stefano
Produtor Executivo: Silvio Eduardo
Assistente de Produção: Janna Julian
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
Produção: Os Satyros
HORÁRIOS: sábados e domingos às 18h
VENDA INGRESSOS E ACESSO À TRANSMISSÃO: https://www.sympla.com.br/espacodigitaldossatyros
INGRESSOS: R$5, R$10, R$20 e R$50 / DURAÇÃO: 60 min / CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 18 anos / GÊNERO: comédia dramática / TEMPORADA: até 26 de outubro
Fonte: Dionisio Neto WordPress