Começando o ano na companhia de Patti Smith

Terminei de ler, quase ao mesmo tempo, dois livros de Patti Smith: “O Ano do Macaco” e “Devoção”, ambos lançados aqui no Brasil pela Companhia das Letras, no ano passado.

Já havia lido uns anos atrás – e gostado muito! – “Só garotos”, o livro de estreia de Patti. Então eu sabia mais ou menos o que me esperava. “O Ano do Macaco” e “Devoção” são incríveis.

Em “O Ano do Macaco” a autora narra uma turnê com sua banda em 2016 que, na cultura chinesa, é o ano do macaco do título da obra. Mas o ano é também da eleição que levaria Donald Trump à presidência dos EUA e o ano em que Patti perdeu dois de seus melhores amigos: o músico Sandy Perlman e o dramaturgo Sam Shepard. Mais: 2016 é quando a autora chega aos 70 anos.

Tudo isso são os motes para que Patti, que vive um de seus momentos profissionais mais incríveis, mergulhe em divagações sobre política, arte e sua própria existência, sempre com bom humor, trabalhando no limite entre sonho e realidade.

Surpreende na obra a simplicidade do cotidiano da autora e a quantidade de referências literárias, que vão além da cultura norte-americana.

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“Devoção” é um livro pequeno, dividido em três partes, com uma densidade que surpreende. Nele, a autora especula questões sobre processos criativos, de onde vêm as inspirações para se contar uma história e, ainda, por que escrevemos.

O disparador é uma viagem que Patti faz a Paris. Enquanto lê uma biografia da escritora Simone Weil, vai desenhando um conto sobre uma jovem patinadora em busca de suas origens, que vai se concretizar no segundo capítulo do livro.

No último capítulo, Patti volta à viagem para narrar sua visita à casa de Albert Camus, na cidade de Lourmarin, onde se encontra com o manuscrito de “O primeiro homem”, romance inacabado do escritor, filósofo, romancista e dramaturgo nascido na Argélia e naturalizado francês.

Por que escrevemos, de onde vêm as inspirações e como funcionam as engrenagens da inspiração são as questões que nos acompanham durante toda a leitura do livro.

Ao final, a própria autora é generosa em dar sua resposta. Vai dizer: “Escrevemos para dar voz ao futuro, revisitar a infância. Para dar rédea curta às loucuras e aos horrores da imaginação”. Afinal, “não podemos apenas viver”.

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O ano do macaco, Patti Smith, tradução de Camila von Holdefer, Editora Companhia das Letras, 2019

Devoção, Patti Smith, tradução de Caetano W. Galdino, Editora Companhia das Letras, 2019

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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