Estamos em Estocolmo. Eu, Rodolfo García Vázquez, coordenador do curso de Direção da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, Joaquim Gama, coordenador pedagógico e a formadora do curso de Humor, Daniela Biancardi. Quem também está por aqui é a trupe Os Satyros, companhia fundada por mim e pelo Rodolfo. Ficamos em cartaz, até sábado (23), com o espetáculo “Cabaret Stravaganza”, no Teatro Unga Klara.
Na segunda-feira (18), antes do início da turnê, neste mesmo teatro, após um ensaio técnico, tivemos um lindo encontro com os suecos. Mais de cem pessoas, entre escritores, atores, performers, professores e intelectuais, numa conversa emocionante. Uma grande experiência!
Debatemos sobre “Teatro e Sociedade”, com mediação da diretora Suzanne Osten. Contei aos suecos sobre a experiência de transformação de um pequenino teatro que revitalizou uma importante área da cidade de São Paulo, o Espaço dos Satyros.
Na ocasião, Rodolfo e eu brincamos com um hipotético livro de autoajuda teatral para falar mais sobre a filosofia desenvolvida no trabalho da companhia Os Satyros. Compartilho o texto com vocês:
Cinco mandamentos para o ator de teatro que quer fazer diferença na sociedade (ideia para um livro de autoajuda teatral… um apontamento, claro)
1) Pare de olhar para o espelho do narcisismo artístico
Pessoas de teatro adoram falar sobre o teatro e as suas realizações no palco. Claro, este é o nosso assunto favorito. Falamos muito sobre teatro. Tanto que chegamos ao ponto de subir ao palco e continuar falando sobre o teatro. Isso não é uma regra, mas acontece muito. Mas, que tal parar um pouco de falar sobre teatro e conversar com seu vizinho afegão ou com a boliviana que cozinha para sua esposa, na Suécia, por exemplo? Como isso pode mudar a sua vida?
Ou ao seu motorista de ônibus: “Qual é a seu programa preferido com a sua família?”. E o que dizer de qualquer criança? Quantas experiências maravilhosas que você pode ter com ela? E, nunca se esqueça: uma prostituta pode lhe ensinar mais sobre a vida do que cem livros.
2) Abandone todos os seus dogmas sobre o teatro
Todos nós, pessoas de teatro, temos nossas crenças: o teatro deveria ser assim ou assado. Temos de montar este texto deste escritor legal ou convidar aquele ator excepcional ou fazer teatro político e fazer isto de acordo com o que alguém já está morto disse. Teatro deve ser… e então você tem uma longa lista de obrigações.
Mas, faça um favor: reserve 15 minutos de seu dia para pensar no caminho oposto. Desconstruir o que você acha que sabe sobre esta arte milenar. Por que não o teatro desta forma estranha? Ou por que não do jeito que parece uma bobagem? Existe uma regra que determina o que o teatro pode ser? Por que não o teatro para bebês, por exemplo? Ou teatro nas prisões?
O teatro pode ser feito por qualquer um? Ou precisa ser um especialista? Pode falar sobre um assunto X (aparente) ridículo? Por que não? O teatro pode conversar com outras artes ou habilidades sociais? Por que não?
Quando você começar a fazer estas perguntas, o teatro se tornará algo muito mais livre e cheio de surpresas. E a sociedade o agradecerá por ter revigorado essa arte milenar.
3) Pare de reclamar sobre problemas de teatro e apenas coloque-o para funcionar
No teatro, estamos tão acostumados a falar sobre os problemas do teatro: a falta de dinheiro, a diminuição de recursos para a plateia do teatro de pequeno porte, a baixa venda de ingressos… e assim por diante. Nosso melhor assunto é a crise do teatro. Ela, provavelmente, existe desde Tespis.
Às vezes, nos ocupamos tanto com nossos problemas, que nos esquecemos de que a sociedade tem muitas questões importantes – muito mais do que a nossa.
Mas e se nós dedicássemos alguns minutos de nosso dia para discutir sobre os problemas sociais reais. Como isso seria? Por que as pessoas caminham tristes pelas ruas? Por que nós temos só este tipo de público? Do que não estamos falando?
Há uma grande revolução tecnológica acontecendo agora. Os desafios da sociedade são completamente diferentes, se comparados aos de 20 anos atrás. Genoma, bioengenharia, internet, ciborgues… E o que estamos trazendo para o palco agora? Existe um vazio a ser preenchido?
Assim, podemos dar início a um verdadeiro diálogo com o público real.
4) Desconstruir todas as verdades que você tem e reconstruí-las, parte por parte
Todos nós precisamos de verdades para sermos capazes de viver e construir a nossa arte. Mas, às vezes, as nossas verdades são apenas pura e simplesmente preconceitos. Eles não nos ajudam em nada. Nós não sabemos exatamente por que, mas essas verdades ficam profundamente enraizadas em nossas vidas e destroem qualquer possibilidade de comunicação com aqueles que são diferentes de nós. São criminosos na prisão, por exemplo? São eles os vilões? Devo falar com eles? Será que deveria criar teatro sem eles? E os banqueiros? São eles mais ou menos criminosos do que as pessoas que estão na cadeia? Por quê?
Brecht disse algo interessante uma vez: “O quão ruim é um assalto a banco em comparação com uma instituição bancária?” Então eu não deveria fazer teatro com os banqueiros também?
Se nós pararmos de sermos tão certos sobre as nossas verdades, poderemos reconstruí-las de uma forma diferente. Mais justa para a humanidade. Mais poderosa para a arte do teatro.
5) Seja naïf
Olhe para tudo como se fosse a primeira vez. Brinque com a realidade, questione, questione, questione… e divirta-se a qualquer momento com o teatro e a sociedade. Ele pode ser uma experiência maravilhosa para não ter todas as amarras e os limites do resto da sociedade. Na verdade, no fundo, é o que a sociedade espera de nós. Ela está ansiosa para satisfazer a nossa vasta curiosidade, a nossa capacidade de ousadia ultrajante, nossa liberdade lúdica. “Se você não está livre no palco, quem mais poderá estar neste país?” – isso é o que nosso público espera todos os dias. Esse alguém que é livre para eles:
“- Por favor, sejam livres em sua arte, e eu poderei sonhar, um dia, que sou tão livre quanto vocês… Eu preciso de você para começar a sonhar algo melhor para mim?”
– isso é o que nosso público pensa, apesar de, às vezes, eles parecerem ter muito medo dessa liberdade e tentar colocar-nos sob seu controle.