Marinete é amiga de um amigo meu. Quarentona, filha de nordestinos e osasquense de nascimento, trabalha numa repartição pública. Seu sonho, há muito, é encontrar um amor. Perdeu a virgindade aos 32 anos com um michê, presente de aniversário desse meu amigo, amigo dela.
Nette, como gosta de ser chamada – e com dois “t” como faz questão de grafar – é feia. Muito feia mesmo. É motivo de chacota nas rodas de amigos, quando não está por perto. Apesar de andar sempre com esse meu amigo e fazer parte do círculo de relacionamentos dele, Nette é muito solitária. Parece viver num mundo completamente à parte.
Esse meu amigo é descolado. Publicitário e ator nas horas vagas, circula por um meio requintado. Fã incondicional de P. J. Harvey, leu “Mrs. Dalloway” duas vezes e não perde um filme de Lars Von Trier.
Nette, apesar de nunca ter lido Virginia Wolf, também viu os filmes do Trier e é obrigada a ouvir P.J. Harvey. Mas seu coração bate mesmo pelo cantor Daniel e não perde um capítulo da novela das nove, mesmo quando o assiste muito tarde da noite, gravado pelo seu velho videocassete, depois de uma balada qualquer.
Eu gosto muito da Nette. Quando morava em Lisboa, tive o prazer de recebê-la, numa ocasião. Fora se encontrar com um portuga que conhecera através do mágico bate-papo do UOL.
Nette não foi feliz em Portugal. O rapaz desapareceu depois do primeiro encontro terminado numa pensão barata do Bairro Alto.
Fazia muito tempo que eu não via a Nette. Coincidentemente, encontrei-me duas vezes com ela esta semana. Na primeira, estava com este meu amigo na pré-estreia de “Luz nas Trevas”, o filme da Helena Ignez. Agora há pouco, nos esbarramos na avenida Paulista.
Eu estava atravessando a faixa de pedestres quando a Nette surgiu, assim do nada. Estava radiante; eu, triste. Olhei para os seus enormes óculos espelhados, lindos. Depois para os seus cabelos, tratados. Reparei nos seus dentes, branquíssimos. Pensei no meu cabelo, ressecado. Nos meus óculos, chinfrim. Nos meus dentes, amarelados.
Apressado, havia acabado de sair da livraria Cultura, onde tinha ido buscar uma encomenda. Ela vinha do caixa eletrônico do Banco do Brasil.
Não consegui falar direito com ela. E fiquei encabulado, tímido mesmo. Me sentindo o último e o pior dos mortais. Por um momento tive vontade de pedir desculpas a ela. Talvez por causa das chacotas que fazem dela; talvez porque eu tenha rido quando me contaram, às gargalhadas, da história de como ela perdeu sua virgindade.
Saí em disparada. Então, depois de um tempo a ficha caiu. A Nette continuava muito, mas muito feia. E eu constatei: sim, tudo é uma questão de autoestima.
.
Adorei, li como se estivesse junto da Nette. O nome próximo, os lugares conhecidos. Ri, principalmente sobre o Daniel.
Adorei o texto. Não conhecia este espaço.
Agora, vou acompanhar!
apareça sempre. obrigado pela visita.
Oi Ivan! Parabéns pelo Blog, adorei! Com certeza… Auto-estima e tudo! Mas nada como um bom trato e um Biotherm para ajudar a gente a encontra-la né? Eu super entendo que todo mundo quer ver beleza, que todo mundo quer se cuidar e ter pessoas lindas em volta… Mas uma coisa que me recuso e essa ditadura da beleza! Com certeza, ela começou a se cuidar, isso e bom… Mas como vc disse, ela não estava liiinda, e sim radiante, o que a meu ver a torna linda! E uma questão de se abrir… Treinar o olhar… Tem gente que acha a barbie linda e tem gente que acha o lixo lindo! 😉
bem vinda e obrigado pela visita.