Passaram uma vida juntos. Primaveras, verões, outonos e invernos. Ele, conhecedor profundo de sua alma, jurava pra quem quisesse ouvir que ela sempre fôra reservada e tímida demais.
Muitas primaveras, verões, outonos e invernos depois, ela, velhinha que se tornara, um dia o viu chegar em casa com um brinquedo, um mimo para o filho de um amigo, que depositou num canto da sala. Ela primeiro não deu muita atenção. Afinal, era reservada e tímida demais. Mas porque estava ali sozinha, e curiosa que também era, quis saber para que servia aquela pequena prenda e, assim, como quem não quer nada, descobriu que era um brinquedo. Ainda como quem não quer nada, começou a brincar. Primeiro, reservada que era, brincou de maneira tímida. Depois, ah, depois se esbaldou e brincou, brincou mesmo, até não poder mais.
Ele chegou na sala no exato momento em que ela rodopiava com o mimo, a lembrancinha para o filho do amigo. E, assim, depois de tantas primaveras, verões, outonos e invernos, ele descobrira que ela, velhinha já, gostava de brincar. Foi nesse momento que seu coração apertou. Ele se lembrou – e a recordação veio num sopro, numa aragem só – de todas as primaveras, verões, outonos e invernos que passaram juntos ali, naquela casa, e que não brincaram porque tinha certeza, certeza absoluta, que ela era reservada, tímida demais.
* foto: Elena Shumilova