António Damásio tem realizado um importante trabalho no campo da neurobiologia. A pesquisa do neurocirurgião, que desafia os dualismos tradicionais do pensamento ocidental – mente e corpo, razão e sentimento, explicações biológicas e explicações culturais –, pretende oferecer uma visão científica e integrada do ser humano, sugerindo hipóteses inovadoras sobre o funcionamento do cérebro humano.
Damásio verifica em seu trabalho que cada tipo de emoção tem uma zona precisa do córtice que envia comandos para todas as partes do corpo, enfatizando a proximidade das conexões anatômicas e fisiológicas entre cada emoção e a regulação do estado interno do organismo.
Em “O Mistério da Consciência”, lançado aqui no Brasil pela Companhia das Letras, Damásio afirma: “Durante as emoções, neurônios localizados no hipotálamo, no prosencéfalo basal e no tronco cerebral liberam essas substâncias químicas em várias porções mais rostrais do cérebro e, assim, transformam temporariamente o modo de funcionamento de muitos circuitos neurais. Entre as consequências típicas do aumento ou da diminuição na liberação desses transmissores inclui-se a sensação de prazer ou desconforto que permeia a experiência mental. Essas sensações fazem parte de nosso sentimento de uma emoção.”
Foi a primeira vez que regiões cerebrais ativadas por emoções foram localizadas com tal precisão. As dúvidas sobre os diferentes estados de alma vêm de longa data e os neurocientistas do século XIX já se interrogavam sobre essas variações de humor. Mas os trabalhos que produziam não dispunham das possibilidades técnicas que os finais do século XX conheceram.
O cérebro foi estudado a partir de lesões cerebrais até aos anos 1940, época em que, por força do desenvolvimento da neurofisiologia, da neurofarmacologia e da neuroquímica, este método passou a ser secundário. E a razão era que esse estudo dependia da autópsia. Só podia haver confirmação do que de fato se havia passado muitos anos depois, quando o doente falecia. Apesar destas limitações, os neurocientistas do século XIX e de grande parte deste século foram estabelecendo uma cartografia cerebral. O mapeamento era, porém, aproximativo. Nos últimos anos, o equipamento PET, uma espécie de scanner, permitiu aos cientistas observar os fenômenos do cérebro ao executar uma série de funções.
E por que eu insisto na relação ciência e arte? Para o ator, compreender que a falta de emoção e sentimento pode destruir a racionalidade, como propõe Damásio, pode ser fundamental em seu processo criativo. Na visão inovadora do neurologista, sentimentos e emoções são uma percepção direta de nossos estados corporais e constituem um elo essencial entre o corpo e a consciência.
Curioso é que há profunda correlação entre os postulados de Damásio e o trabalho de Stanislavski: interações eu/mundo mediadas pelas ações e reações; a percepção dos resultados destas interações a partir das emoções (percepção de si).
Mais espantoso ainda é constatar que isto não é mera coincidência. Stanislavski fundamentou-se em escritos da Psicologia Experimental que, na época, dava seus primeiros passos e que, hoje, fundamenta parte das pesquisas em neurociências. É a arte como forma de saber, às vezes, antecipando conhecimentos científicos.
Elida Strazzi Moreira Gomes, aluna da Escola Superior de Artes Célia Helena, foi minha orientanda em projeto de Iniciação Científica Fapesp, estudando estas relações Stanislavski/Damásio.
Sim, gosto de aproximar o trabalho de Damásio ao do Stanislavski. Gosto também de pensar na “antena” do mestre russo que, inclusive, bebeu da então ‘novíssima psicanálise’, que na época poderia, tão somente, ser uma loucura de um judeu austríaco maluco. Gostei de saber do trabalho da Elida, gostaria de conhecer. Abraço.